Título: Pressão sobre o real vai continuar forte, diz executivo do Bird
Autor: Moreira,Assis
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2012, Brasil, p. A4

O vice-presidente do Banco Mundial (Bird), Otaviano Canuto, alertou ontem que a pressão pela valorização do real continuará forte e duradoura, devido à mudança de padrão da demanda mundial por recursos naturais, e sugeriu que o país acelere reformas para ajudar a competitividade da industria brasileira.

A valorização excessiva do real ocupou parte do debate sobre comércio internacional, ontem, na Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), e continuará sob o foco dos países, durante seminário sem precedentes que será realizado hoje e amanhã na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para Canuto, os problemas da indústria brasileira vão além das dificuldades com a taxa de câmbio e não vão desaparecer tão cedo. "A pressão é muito forte sobre a taxa real de câmbio e não dá para abstrair que o país tem um manancial grande de recursos naturais, que estão valorizados no mundo, e que essa valorização vai permanecer por muito tempo. Isso acaba afetando fortemente os custos sobre os setores que não se beneficiam da valorização dos recursos naturais, que é justamente a indústria manufatureira", afirmou.

O economista Christophe Bellmann, do Instituto de Comércio e Desenvolvimento Sustentável (ICTSD), ilustrou o cenário com pesquisa que prevê que a classe média mundial pulará de 1,5 bilhão atualmente para 4,9 bilhões de pessoas até 2030. Com isso, a demanda por aço aumentará 80% no período, por cereais, 27%, por água, 41%, e por energia, 33%.

Só que do lado da oferta, a tensão aumentará com escassez sobretudo de recursos minerais. A necessidade de ampliação da produtividade e eficiência será enorme. Os investimentos em economia verde também deverão ser gigantescos. Conflitos sobre subsídios, que hoje alcançam US$ 1,1 trilhão para agricultura, energia e setor pesqueiro, vão causar mais contenciosos.

Para Canuto, a indústria manufatureira brasileira se defronta com custos no lado de serviços que estão subindo e são reflexos da alta dos recursos naturais. "Não dá para imaginar que isso vai se resolver só com câmbio", observou. Segundo ele, o Brasil precisa apressar a reforma fiscal, que permita a queda maior e mais rápida do juro, porque o diferencial de juros torna ainda mais acelerado o processo de valorização do real. "O país precisa reduzir a carga tributária sobre a indústria e para isso é preciso maior eficiência do gasto público. Tanto o setor público como o privado necessitam mais eficiência no gasto de investimento em infraestrutura", disse Canuto.

A articulação do Brasil para pavimentar o terreno em direção de um mecanismo na OMC que dê alívio a problemas de câmbio no curto prazo, a fim de impor sobretaxa nas importações e proteger a indústria, continua a causar ampla discussão e mostra a que ponto o câmbio concentra atenção nos círculos comerciais.

Representando o Banco Mundial nos debates da Unctad e da OMC, Canuto é cauteloso. Considera a iniciativa brasileira importante, mas acha que a evidência sobre o impacto do câmbio no comércio é muito complexa. Diz que o banco observou que o impacto existe e é durável no caso de países em transição de níveis baixos para renda média, "mas a partir daí os efeitos são muito dúbios".

Canuto aponta a dificuldade de mensurar e dizer quão alinhada ou desalinhada está uma taxa de câmbio. Argumenta que a taxa de câmbio depende também de outras características de funcionamento das economias. "Às vezes é difícil enxergar se a taxa de câmbio está por conta de políticas ou de outros fatores", diz.

A professora Vera Thorstensen, diretora do Centro de Comércio Global, da FGV-SP, foi incisiva ao apresentar diferentes tabelas mostrando excessiva valorização do real. A conclusão é que o Brasil tem hoje tarifa de importação bastante negativa e estimula a entrada de produto estrangeiro. Para a professora, é preciso que a OMC tenha mecanismo eficaz para neutralizar o impacto do câmbio, que estima estar minando todos os instrumentos de defesa comercial atualmente existentes.

O tom entre alguns representantes de países em desenvolvimento, porém, foi de certa preocupação sobre as propostas para o câmbio que o Brasil quer avançar na OMC. Para uma diplomata do México, o Brasil quer "fechar fronteiras" para os parceiros. Um embaixador da Colômbia argumentou que o aumento de fluxos de capitais, que valorizam as moedas, tem mais a ver com investimento direto externo. O embaixador da Costa Rica também mostrou-se cético e questionou por que o Brasil não usa os instrumentos já existentes na OMC, se o país acha que eles existem também para câmbio.