Título: Venda de carteira terá nova regra
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Finanças, p. C1

O Banco Central (BC) prepara para breve mudanças nas regras para cessão de créditos que terão forte impacto no sistema financeiro. As novas regras deverão reduzir o índice de capitalização de vários bancos - e, consequentemente, seu poder de alavancagem -, além de impedir que as instituições que venderam suas carteiras antecipem a receita, como ocorre hoje. As mudanças valem para os créditos com coobrigação, aqueles em que quem cedeu a carteira continua 100% responsável por uma eventual inadimplência.

As operações de cessão de crédito tornaram-se um instrumento importante para bancos de pequeno e médio porte no último ano e meio, depois do aperto de liquidez provocada pela intervenção no Banco Santos e reforçada pela crise política do "mensalão". Com a queda da captação de CDB, muitos bancos partiram para vender suas carteiras de crédito - principalmente a de consignado (com desconto em folha de pagamento) a instituições como Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú, Real ABN Amro e a francesa Cetelem.

A venda permitiu a bancos de menor porte - como BMC, Schahin, Cacique, Bonsucesso, BMG, Cruzeiro do Sul e Pine - antecipar receitas, com impacto positivo sobre o resultado. Do lucro de R$ 382,8 milhões do BMG no ano passado, por exemplo, a Austin Ratings calcula que 80% foi obtido com cessão de crédito. O banco é o que tem maior volume de crédito cedido a outras instituições.

Na maior parte dos acordos comerciais, a cessão de carteiras é feita com coobrigação. Isso significa que, se houver inadimplência, quem cobre o buraco é quem cedeu o crédito e não quem adquiriu a carteira. E esse risco não está refletido no balanço. "Na prática, pondera o crédito a 50% em seus ativos, mas tem 100% dos riscos", explica Rafael Guedes, diretor executivo da Fitch Ratings Brasil. Segundo ele, isso pode criar uma distorção. Duas instituições idênticas terão índices de capitalização (Basiléia) muito diferentes caso um venda 50% de sua carteira com coobrigação e outro não venda nada. "O primeiro terá o dobro de capitalização do segundo e isso não reflete a realidade", explica.

É para corrigir essas distorções e para adequar as regras brasileiras às normas contábeis internacionais que o BC adotará os novos critérios. Hoje, ao ceder uma carteira, o banco pode tirá-la do balanço e usar os recursos para dar origem a novos empréstimos. Além disso, ele antecipa as receitas e o lucro e não precisa fazer provisões. Com as novas regras, essa carteira permanecerá no balanço da instituição cedente. Isso a obrigará a fazer provisões e a ponderar o risco da carteira e impedirá que os recursos sejam alavancados em novos empréstimos. O banco que cedeu os créditos com coobrigação também só poderá apurar o resultado de acordo com o vencimento da carteira.

Haverá mudanças também para quem comprar a carteira. Hoje, o banco que adquire um conjunto de créditos consignados do INSS, por exemplo, registra-os em nome das pessoas físicas que tomaram o empréstimo. Trata-se, portanto, de uma carteira pulverizada. A regra em estudo prevê que esse crédito seja registrado em nome do banco que cedeu a carteira. Isso provocará outra mudança profunda, já que há hoje limites de concentração de risco por cliente. A regra, na prática, limitará as aquisições de carteira de uma única instituição.

Para o executivo de um banco médio, o efeito mais provável da nova regra será um ajuste dos atuais acordos para que as cessões passem a ser sem coobrigação.

O BC tem elaborado as medidas com cuidado, para evitar que elas se tornem um problema para o sistema, e tem ressaltado que a mudança não está pautada em um caso específico. No mercado, a expectativa é de que a nova regra seja publicada até setembro. O BC deverá dar um prazo para adequação e a expectativa dos bancos é de que seja dado um tratamento diferenciado às operações já realizadas.