Título: Singer, 80 anos, recomenda ao Brasil imitar a Argentina
Autor: Exman, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2012, Brasil, p. A4

O economista Paul Singer chegou, sábado, aos 80 anos de idade com um patrimônio pessoal raro: nas últimas décadas, o atual secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho conviveu, trabalhou ou compartilhou sua vida acadêmica com alguns dos principais nomes da história brasileira contemporânea. Tal ativo lhe dá a segurança necessária para defender posições polêmicas. Ele demonstra entusiasmo com o atual momento do país e não faz reparo nenhum à condução da economia pelo governo Dilma Rousseff. Sustenta, por outro lado, que a política econômica argentina deveria servir de modelo ao Brasil. No âmbito político, não deixa por menos: constata que o PT, partido que ajudou a fundar, vive num impasse devido ao fato de hoje contar nos seus quadros com "políticos profissionais".

Singer foi aluno do ex-ministro Delfim Netto na Universidade de São Paulo (USP). Após o golpe militar, teve de deixar a instituição e ajudou a fundar o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com outros professores universitários, entre eles o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Anos depois, participou da fundação do PT e integrou a equipe que elaborou os sucessivos programas econômicos do partido.

Militou ao lado do então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva e outros personagens que mais tarde escalaram alguns dos postos mais importantes na cena política e econômica do país. Lula tornou-se presidente da República. Fernando Haddad, a quem orientou num mestrado, virou ministro da Educação e é o candidato petista à Prefeitura de São Paulo.

Na Secretaria de Planejamento da prefeitura paulistana, Guido Mantega foi seu chefe de gabinete durante o governo de Luiza Erundina. Mas os dois perderam o contato. Durante o governo Lula, Singer até conseguiu marcar uma reunião com o ministro da Fazenda. Logo no início do encontro, Mantega foi interrompido por um assessor. Era um chamado do presidente e os dois nunca mais despacharam. "Ele não tem tempo. Acho que continuo amigo dele, apesar de não estarmos juntos", disse Singer em entrevista ao Valor.

Mesmo assim, o professor identificado ao socialismo não economiza elogios aos integrantes da equipe econômica. Ele avalia ser este o melhor momento da história brasileira que presenciou desde sua chegada ao país, aos oito anos, após sair da Áustria com sua família por causa da ascensão nazista. Singer é um entusiasta do Brasil Sem Miséria, "resultado de um acúmulo de experiências" que tem promovido distribuição de renda e dado aos mais pobres a economia solidária como uma opção para sair da miséria. Está também animado com a possibilidade de cooperativas também passarem a ser beneficiadas pelo Super Simples.

O economista classifica de exagerados os alertas de que há em curso um processo de desindustrialização no Brasil. De um lado, aponta um risco inflacionário devido à situação de "pleno emprego". Do outro, diz que a pressão sobre os salários não é muito forte. Para ele, a taxa de juros real deveria ser de 2% a 3% ao ano e a taxa de câmbio, entre R$ 2,00 e R$ 2,50.

Singer já criticou a política econômica dos governos petistas, assim como também se dá a liberdade para criticar o amigo FHC. Diz, por exemplo, que a sorte do país foi FHC não ter privatizado todos os bancos públicos. Hoje, pondera, os bancos estatais são instrumentos essenciais para a redução dos juros e a elevação da oferta de crédito. Assume, porém, que "felizmente" estava enganado ao prever o fracasso do Plano Real.

"A grande mudança [na política econômica] é o controle dos fluxos de capital especulativo, que são muito destrutivos. Enquanto o Antonio Palocci era o nosso ministro da Fazenda, isso não se pensava, embora o PT tenha proposto isso em campanha após campanha em que fomos derrotados", destacou. "Isso começou já no governo Lula, quando o Guido Mantega substituiu o Palocci. Com esse controle, temos condições de manter a taxa de câmbio que o governo considera necessária. Acho um absurdo o país não poder controlar o valor da própria moeda."

Singer argumenta que o modelo da Argentina poderia servir de receituário para o Brasil: proteção da indústria, total controle do câmbio e um maior crescimento. "Eles fazem políticas que o PT sempre defendeu. Eu não estou sendo original. Eles têm mais força para isso, ela [Cristina Kirchner, presidente da Argentina] está afrontando o latifúndio lá, coisa que o Lula optou por não fazer aqui. A Dilma também não quis, mas agora ela tem que enfrentar por causa da questão do Código Florestal, que é muito importante", sublinhou, evitando polêmica sobre as suspeitas de maquiagem dos índices de inflação oficiais da Argentina.

Singer espera que o PT se regenere. "O partido está num impasse, porque uma parte dele transformou-se em políticos profissionais, o que no inicio do PT seria visto com horror. Muita gente dentro do PT é obrigada a ganhar eleições ou está na rua da amargura", diz.

O economista vê como saída a criação de limites para a reeleição de parlamentares e uma maior presença de jovens e mulheres na direção da sigla. "Isso é o normal na política brasileira: a pessoa acaba se profissionalizando na política e a partir daí o seu interesse individual o leva a fazer concessões. Os grandes ideais passam a ser secundários. É por isso que o PT acabou fazendo alianças sem nenhum critério."

Secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho desde 2003, Singer discorda da análise segundo a qual o PT só conseguiu chegar ao poder depois de "acalmar" o mercado financeiro com a Carta aos Brasileiros. O documento foi redigido por seu filho André, conta, jornalista assessor de Lula que depois foi nomeado porta-voz. Diz que não deu importância quando viu o texto antes de sua divulgação e acabou surpreendido com seu impacto. "Se ele (Lula) não tivesse feito isso, também ganharia a eleição."