Título: Cartas marcadas na disputa pelo poder no Banco Mundial
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Fonte: Valor Econômico, 27/03/2012, Opinião, p. A14

Está na reta final o processo de escolha do futuro presidente do Banco Mundial. Como ocorre há 66 anos, desde que o Banco Mundial começou a funcionar, esse é um jogo de cartas marcadas. Por uma combinação no Acordo de Bretton Woods, de 1944, os Estados Unidos teriam direito a nomear o presidente da instituição, e a Europa a escolher o comando do Fundo Monetário Internacional (FMI), criado na mesma ocasião. Como resultado, se sucederam à frente do banco 11 presidentes americanos até agora, invariavelmente políticos ou banqueiros de Wall Street.

A justificativa oficial é que Estados Unidos e Europa detêm a maior parte do capital dos dois organismos. Mas essa regra é cada vez mais questionada, não propriamente pela competência dos americanos em dirigir a instituição que desembolsou US$ 57,4 bilhões no ano passado, mas por uma questão de isonomia. Em outros organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), a competição pelo comando é aberta a todas as nações e definida pela competência.

Embora os EUA sejam os maiores acionistas individuais do Banco Mundial, com 15,7% do capital, e somem mais da metade dos votos com a Europa, 187 países fazem parte do banco.

Além disso, os países emergentes é que estão comandando a recuperação global. O grupo dos Brics será responsável por 56% do crescimento global deste ano, segundo o FMI, sendo que China e Índia sozinhas, por 50%. Com razão, os emergentes estão sendo crescentemente convocados a contribuir com fundos para os organismos multilaterais resgatarem as economias avançadas, mas não são chamados na hora de escolher seus dirigentes.

Desta vez, porém, assim que o atual presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, anunciou que deixaria o cargo quando seu mandato de cinco anos expirasse, em junho, os emergentes, reunidos no encontro do G-20, em fevereiro, decidiram escolher um candidato. Mas os emergentes não chegaram a um consenso e Washington deu um golpe de mestre ao nomear, na sexta-feira, o americano de origem asiática Jim Yong Kim como seu indicado para o Banco Mundial. Kim nasceu na Coreia do Sul, em 1959, e mudou-se para os Estados Unidos com a família aos cinco anos. Formou-se em medicina e tem doutorado em antropologia por Harvard. Fundou uma ONG que combateu a tuberculose no Peru e foi diretor do departamento de Aids da Organização Mundial de Saúde (OMS), quando estimulou a disseminação do modelo brasileiro de combate à doença. Desde 2009, preside o Dartmouth College. Além dessa ficha de bom moço, Kim está no Youtube imitando o "moonwalk" de Michael Jackson.

Kim não constava da lista inicial de candidatos de Washington, composta por nomes com o perfil tradicional, abominado pelos emergentes. O currículo de Kim ajuda os europeus a justificar seu apoio à indicação americana e pode atrair votos dos emergentes que não conseguiram consenso.

Acabaram se candidatando dois representantes de emergentes, que vão dividir as forças. O nome mais promissor é o de Ngozi Okonjo-Iweala, indicada por países africanos, que está em seu segundo mandato como ministra das Finanças da Nigéria e foi funcionária do Banco Mundial. Também se candidatou José Antonio Ocampo, ex-ministro das Finanças da Colômbia e ex-funcionário da ONU. A diretoria do Banco Mundial vai agora entrevistar os três candidatos e escolher o novo presidente na reunião de abril do FMI.

Quando o presidente Obama anunciou o nome de Kim, falou que sua missão será cuidar do desenvolvimento. O receio é que o médico se concentre em saúde e educação, deixando de lado crescimento e ambiente. Pouco se sabe a respeito de seu pensamento econômico. Não lhe favorece em nada o livro "Dying for Growth", que escreveu com outros quatro autores, em 2000, em que critica o neoliberalismo e como o crescimento pode acentuar a desigualdade.

Em meio a uma das maiores crises do planeta, discutir o foco do Banco Mundial adquiriu importância especial. Afinal, ao longo da turbulência, praticamente não tem se ouvido falar do banco, que há algum tempo perdeu a fama de fornecer não apenas crédito, mas também valiosa consultoria aos países.

Um sério risco de deixar os emergentes de lado é a dispersão de esforços e de dinheiro. Nesta semana, o grupo dos Brics vai discutir a criação de um novo banco de desenvolvimento, que pode viabilizar a concessão de crédito na moeda chinesa e talvez captar poupança também.