Título: Amorim rejeita estratégia de acordos bilaterais e diz que OMC ainda é a prioridade
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Brasil, p. A3

Depois do fiasco de Doha - um golpe na estratégia comercial do governo Luiz Inácio Lula da Silva -, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reiterou que a estratégia de acordos bilaterais não é uma solução para o Brasil e a prioridade continuará sendo a negociação na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas, diante da paralisia da Rodada Doha, avisou: "Agora me sinto aberto para, especialmente, negociar com a União Européia."

O governo Lula jogou todas suas fichas em Doha e não fechou nenhum acordo comercial bilateral relevante para os exportadores brasileiros. Com a falta de resultado em Doha, Amorim passou a dizer que "podemos e devemos" retomar a negociação birregional com a União Européia porque "não há dificuldade conceitual, mas apenas de números"- o que não é pouco, como Doha mostrou.

A comissária européia de Agricultura, Marianne Fischer Boel, considerou "óbvia" a retomada da negociação entre os blocos ainda neste semestre. Mas o comissário de Comércio, Peter Mandelson, que tem o real peso na decisão, deu uma freada: avisou que é muito cedo para dizer isso, porque precisa fazer uma "digestão muito difícil" do fiasco de Doha.

A disposição do Brasil para negociar com os Estados Unidos é diferente. Com relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Amorim vê algo "um pouquinho mais complicado". A preferência do ministro é uma negociação direta com os Estados Unidos no formato 5 +1 (Mercosul com a Venezuela), sem explicar como Washington e Hugo Chavez aceitariam isso.

"Na Alca há uma situação de falso multilateralismo, porque nem todo mundo está lá, nem se negocia bilateralmente com quem realmente importa", argumentou. "Temos países com interesses muito diferentes, alguns já fizeram acordos de livre comércio com os EUA, não têm nada a perder numa negociação e estão prontos a fazer todas as concessões possíveis. Isso nos deixa numa posição difícil na negociação", acrescentou.

Por sua vez, a representante comercial americana, Susan Schwab, foi clara: os EUA têm uma "agenda ambiciosa" para acordos bilaterais. E fará os acordos com base nas condições americanas, bem mais duras do que as das negociações multilaterais.

O certo, para Amorim, é que a OMC é "insubstituível" para o Brasil. "Tudo aqui é muito difícil, vai exigir muito esforço, mas a prioridade continuará a ser a OMC. Nenhuma dessas outras negociações pode obter aquilo que temos de obter aqui - regras razoavelmente equilibradas, corte de subsídios, antidumping, crédito a exportação etc."

Diplomatas brasileiros insistem que não adianta jogar esperança demais na negociação Mercosul-UE: "O que atravancou na OMC foi subsídio doméstico e isso não se resolve em negociação birregional." Por isso, acham que o Brasil está condenado a procurar acordos na OMC. "Não tem saída .O bilateral não é solução, não é plano B. Não temos alternativa."

O ganho de acesso ao mercado, pela via bilateral, é pequeno, avaliam os mesmos negociadores, porque os países ricos não abrem suas fronteiras. "Nossa pauta de exportação para a UE é formada 100% de produtos considerados sensíveis (que precisam de proteção). Não tem jeito de resolver", diz um diplomata.

O fato é que a explosão de acordos bilaterais parece inevitável. "A pressão vai aumentar para a UE buscar novas alternativas", diz o porta-voz Peter Power. Bruxelas já indicou interesse em abrir negociações com países asiáticos cujas economias estão em plena expansão, incluindo obviamente China e Índia. As discussões com a Índia ocorrerão em outubro.

A Índia está negociando com países da Associação das Nações do Sudeste da Ásia (Asean ), Japão, Coréia e Sri Lanka. O governo de Nova Déli quer negociar preferência comercial também com o Brasil e África do Sul em setembro, em Brasília. Mas negociadores indianos advertiram que o país não abrirá mais para produtos agrícolas do que abriria na OMC. Acena, em contrapartida, com redução da tarifa de 45% para a importação de óleo de soja originário do Brasil e da Argentina, o que tomaria fatias de mercado dos EUA.

Na mesma linha do Brasil, o México acha que acordo bilateral não é a solução. "Temos 42 acordos desse tipo e amortizamos o impacto do fiasco de Doha, mas precisamos de um sistema multilateral que dê confiança à economia", disse o embaixador mexicano, Fernando de Mateo. Para a Argentina, o Mercosul e o próprio G-20 têm de repensar a estratégia negociadora. "A Rodada Doha não morreu, só foi congelada", diz o embaixador Alberto Dumont. (AM)