Título: Empresários querem que governo acelere acordos bilaterais
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Brasil, p. A4

Com o fiasco ontem das negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), o setor privado brasileiro pede que o governo acelere os acordos bilaterais. O empresariado teme perder espaço em mercados importantes dada a inércia do Brasil nessa área. Há três anos, o país tinha três grandes negociações em curso: OMC, Alca, e Mercosul - União Européia. Agora estão todas paralisadas.

Para a agricultura brasileira, a busca de acordos bilaterais e a intensificação dos contenciosos questionando os subsídios dos países ricos aparecem como a alternativa que restou. Mas os representantes do setor - um dos que mais tinha a ganhar com a abertura multilateral dada a sua competitividade - não escondiam seu desalento ontem.

Na indústria, o sentimento era um pouco diferente. Oficialmente, representantes da indústria afirmaram que a paralisação de Doha "é ruim para a indústria". Mas alguns setores estavam preocupados com a possibilidade de o Brasil "ceder demais" para conseguir um acordo.

Mesmo os mais pró-ativos em abertura de mercados, como automotivo e têxtil, tinham pouco a ganhar com a OMC. Com medo de abrir seu mercado para a concorrência asiática nas negociações multilaterais, eles preferem acordos bilaterais. A paralisação de Doha abre espaço para isso.

"O que nós restou é trilhar o caminho dos contenciosos, que tem se revelado eficiente com a vitória do algodão e do açúcar", diz Antônio Donizeti Beraldo, chefe do departamento de comércio da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ele cita como possíveis painéis a soja e o arroz "Em acesso a mercados, a solução é o bilateral. Temos que retomar com força a negociação com a UE".

Beraldo lamentou a paralisação de Doha. "O que estava na mesa não era desprezível", disse. Nas contas da CNA, a agricultura deixa de ganhar US$ 10 bilhões por conta do impasse de Doha, o que significa quase 25% dos US$ 43 bilhões exportados pelo setor. Beraldo acredita que os principais culpados pelo fracasso das negociações foram EUA e Índia. Os americanos demonstram pouca flexibilidade na redução do apoio doméstico. Já a Índia não quis abrir seu mercado industrial e pedia salvaguardas especiais para produtos agrícolas.

Pedro de Camargo Neto, mentor do painel do algodão e presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Suína (Abipecs), afirmou que "a agricultura brasileira é a grande perdedora". Ele diz que o Brasil agora tem que "botar a casa em ordem" e, no caso de carnes, investir em sanidade animal, o que "pode abrir mais mercado do que qualquer rodada". O país também deve exigir que os EUA cumpram o contencioso do algodão. "O Brasil vem sendo leniente nisso, o que é mau exemplo para novos contenciosos."

Camargo Neto responsabilizou EUA e UE pelo impasse, argumentando que os países ricos foram os que mais ganharam nas negociações comerciais dos últimos 50 anos e agora não querem ceder. "É uma farsa que cai. Eles têm que assumir esse ônus."

"Fomos para a rodada com muitas expectativas", conta Elizabete Seródio, da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica). À medida que a UE cumpre o painel do açúcar, reduzindo subsídios à exportação, os produtos brasileiros estão ganhando mercado em países que importavam o açúcar subsidiado europeu. Mas a especialista explica que, apenas na Rodada Doha, o Brasil poderia conseguir o fim desses subsídios e algum acesso ao mercado da UE.

Marcos Sawaya Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), diz que "ainda é muito cedo para dizer que a OMC fracassou". Ele aposta em uma paralisação temporária ou em uma nova tentativa de ressuscitar a rodada. Jank diz que, eventualmente, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, poderia apresentar um esboço de acordo para testar a reação dos países. "Se a OMC fracassar, o Brasil é um tremendo perdedor", diz Jank. O especialista avalia que será muito difícil o país conseguir avançar nos acordos bilaterais.

O presidente da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), Osvaldo Douat, afirmou que a paralisação de Doha "foi uma má notícia para a indústria". Ele acredita que dificilmente a negociação será concluída este ano. Douat aposta em uma proliferação de acordos de livre comércio, o que prejudica "países que estão fora dessas redes", como o Brasil.

O presidente do conselho de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Rubens Barbosa, diz que a paralisação das negociações não foi surpresa, porque faltam condições políticas para americanos e europeus fazerem concessões. Nos EUA, o Congresso está cada vez mais protecionista. Na França, haverá eleições presidenciais em breve. "Precisamos redefinir a estratégia de negociações do Brasil", diz.

O diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Humberto Barbato, lamentou a suspensão da Rodada Doha. "As grandes potências não vinham sinalizando uma grande abertura comercial", disse.