Título: Inflação castiga os mais pobres
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2010, Economia, p. 13

Quem ganha até 2,5 salários mínimos sente no bolso a alta de 4,18% nos preços, em especial de alimentos, como carne, pão e feijão

A mobilidade social no Brasil, que proporcionou a entrada de 30 milhões de pessoas no mercado consumidor, está cobrando um preço alto de quem tem pouco. A inflação para os de baixa renda tem sido implacável. Os preços de produtos indispensáveis a essa população, com rendimentos de até 2,5 salários mínimos, subiram 4,18% entre janeiro e setembro, segundo o IPC-C1. Para o restante dos brasileiros, o aumento foi mais ameno, de 3,82% (IPC-S). O custo de vida para os mais pobres também supera com folga os 3% registrados neste ano pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) usado pelo governo para medir a carestia(1). Os números expõem a dura vida de uma parcela da população que trabalha praticamente para comer.

O contingente antes relegado à margem do consumo está comprando como nunca e tem demandado fortemente o setor produtivo. Com isso, um choque entre procura e oferta vem elevando os preços e, nos últimos meses, com a quebra das safras de itens importantes na mesa do brasileiro, o custo de vida da baixa renda disparou. A inflação para esses brasileiros é maior porque os alimentos têm um peso grande no orçamento deles e são justamente esses preços que têm registrado alta, explicou Aquiles Rocha de Farias, professor de economia da Faculdade Ibmec DF.

O trabalhador rural Clédison Figueiredo, 30 anos, é um dos consumidores que têm se incomodado com os preços elevados. As coisas estão subindo muito e, com certeza, comida é o que mais está pesando lá em casa, disse. Ele, a mulher Maria de Jesus, 34, e o filho Wanderson, 7, foram ontem ao mercado na Vila Estrutural. O objetivo era fazer a compra do mês. Mas, com os preços elevados, o carrinho de compras ficou mais vazio que o de costume e a família consumiu menos do que esperava. A carne subiu muito. Dá até para comer todo dia, mas é preciso diminuir a porção, para que o salário dure o mês todo. Hoje, acho que não vou levar, disse, desanimado.

Demanda Para o professor do Ibmec, os preços em alta devem-se a um problema de demanda excessiva. No caso dos alimentos, a entressafra para alguns produtos, somada a questões climáticas em determinadas regiões do Brasil, reduziu a oferta e consequentemente aumentou os preços. A princípio, isso é passageiro. Não é um choque permanente, avaliou Farias. Para alguns itens, é possível fazer a substituição do consumo. É possível trocar o feijão pela lentilha, por exemplo, que é bem mais barata. Esse processo de troca também contribui para que os preços voltem a um ponto de equilíbrio, ensinou.

De acordo com os dados da FGV, a cesta de alimentos, que em agosto havia registrado queda de 1,19% nos preços, ficou 0,56% mais cara em setembro. Em 12 meses, esse custo explodiu. Subiu 4,21%. Entre os itens que mais aumentaram, os destaques ficaram para as carnes bovinas, que registraram alta de 4,8% no mês passado. Em agosto, a proteína de origem animal já havia encarecido 2,16%. Na esteira dos produtos com preços nas alturas, aparecem ainda o limão (com elevação de 35,05%), o pãozinho francês (1,57%), o feijão carioquinha (4,99%), o acém (5,17%) e a carne moída (3,09%).

A dona de casa Sandra Maria Fernandes, 33 anos, abandonou as compras mensais.

Passou a ir ao mercado mais vezes à procura de promoções. Com esses preços altos, o consumidor tem de ser esperto e comprar só em dia de oferta, ensinou. Ontem, em uma volta rápida pelo mercado próximo de sua casa, Sandra apontou uma série de produtos que ficaram mais caros desde a última vez em que esteve no estabelecimento. Sabão, fralda, feijão e arroz, todos eles estavam mais baratos na semana passada, relatou. Meu marido tira R$ 600 por mês. Com esse salário, tenho de fazer milagre. Nossa renda até aumentou, mas os preços cresceram muito mais.

1 - Roupas mais caras Com a mudança das coleções nas lojas em função da troca de estação, os preços das roupas dispararam. Segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), os vestuários, no geral, ficaram 1,20% mais caros em setembro. Até agosto, com o fim do inverno e as liquidações, as peças haviam apresentado queda de preços de 0,19%. Com os estoques renovados para a primavera, no mês seguinte, o produto voltou a encarecer. Nos últimos 12 meses, somando todas as mudanças de estação, vestir-se no Brasil ficou 4,76% mais caro. Os preços desse grupo de produtos foi o segundo que mais subiu, de acordo com a pesquisa da FGV. Só ficou atrás do custo do transporte aos consumidores que, entre outubro de 2009 e setembro deste ano, elevou-se em 8,30%.

"Com esses preços altos, o consumidor tem de ser esperto e comprar só em dia de oferta

Sandra Maria Fernandes, dona de casa

Combate à pobreza

A despeito da imensa desigualdade que ainda assola o Brasil, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirmam que o país eliminará a pobreza em 20 anos. Com o uso de políticas públicas, como a de distribuição de renda e de expansão do acesso ao crédito, foi possível alçar 30 milhões de brasileiros à classe C nos últimos anos, mas ainda assim, falta muito, pelo menos a mesma quantidade de pessoas que ainda vive na linha de pobreza.

Temos muito espaço para melhorar ainda, mas desigualdade zero é algo utópico, ponderou o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Sergei Soares. Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), o instituto concluiu que o Brasil vem reduzindo, de forma gradual, o número de pessoas na linha da pobreza. Em uma avaliação da parcela de brasileiros com renda de até meio salário mínimo, o Ipea afirma que a miséria foi reduzida em 64% nos últimos 15 anos. Matematicamente falta pouco, mas isso não quer dizer que uma política pública para a eliminação da pobreza seja tão fácil assim, disse Soares. (VM)