Título: IOF dobrado fracassa
Autor: Caprioli, Gabriel; Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 06/10/2010, Economia, p. 15

Concebido para conter a desvalorização do dólar, o aumento da tributação sobre o capital estrangeiro é inócuo. Moeda sobe 1%

A medida do governo para conter a entrada maciça de dólares no país e recuperar a cotação da moeda norte-americana fracassou. Pelo menos no primeiro dia de vigência. Ontem, o efeito foi até inverso. Em vez de subir, a divisa acentuou a queda, encerrando os negócios em R$ 1,675, numa forte retração de 1%. As duas intervenções do Banco Central (BC) no mercado foram inúteis para provocar uma alta. Ao longo do dia, a desvalorização chegou a 1,52%, o que alarmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, principal defensor da elevação, de 2% para 4%, da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na aplicação de recursos estrangeiros em renda fixa, anunciada anteontem.

Mesmo tenso com o resultado inesperado, Mantega tentou minimizar os efeitos de curtíssimo prazo. Para ele, é preciso aguardar os próximos movimentos. Calma. Não sejamos apressados. Vamos deixar a medida fazer efeito, disse ontem a um grupo de jornalistas. Na avaliação da economista sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS), Zeina Latif, o derretimento do dólar em relação ao real se deveu, em grande parte, ao fato de os investidores esperarem uma pancada maior na taxação, que não veio. As aplicações na Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, continuaram tributadas em 2%.

O governo sabe que não é capaz de reverter a tendência do dólar. O Mantega não é ingênuo e sabe disso. O que se tenta agora é colocar um pouco de areia nas engrenagens, para evitar a volatilidade a curto prazo. Mas talvez nem isso aconteça, analisou. Os juros muito altos, que impõem um diferencial grande em relação aos ganhos obtidos no exterior, continuam tornando o Brasil extremamente atraente para o capital estrangeiro. Para fechar esse hiato e estancar a entrada de dólares, a alíquota do IOF precisaria ser realmente punitiva, acima de 10%. Mas isso não é interessante para a administração da dívida, ponderou.

Elevar demasiadamente a taxação pode afugentar o capital externo de longo prazo, do qual o Tesouro Nacional necessita para financiar o resgate de seus títulos. Não faria sentido aumentar o IOF nesse nível, porque toda participação estrangeira, quando anunciada, é vista como positiva. Impossibilitar essa entrada seria como dar um tiro no pé, concluiu Zeina. Ela ressaltou que a desvalorização do dólar é uma realidade em diversos países. As cotações de vários emergentes estão se elevando e esse efeito não pode ser inibido, em sua totalidade, com instrumentos domésticos, como a elevação do IOF.

Doença O economista Mário Battistel, da Corretora Fair, concorda que os juros altos favorecem o investidor. Ele não acredita no sucesso da tributação. O remédio não vai fazer efeito, porque a doença é a taxa de juros absurda de 10,75% ao ano, enquanto, nos Estados Unidos, é de zero a 0,25% anuais, argumentou. O economista sênior do Banco Espírito Santo (BES) Investimentos, Flávio Serrano, reforçou a análise e destacou que o cenário só será revertido a partir de 2012, quando a economia norte-americana, recuperada, se tornar atraente para os fluxos de dinheiro à procura de rentabilidade e segurança.

Para o secretário do Tesouro, Arno Augustin, a medida acompanha o planejamento adotado pela instituição para alongar os prazos de financiamento da dívida brasileira. Ele confirma que a atratividade dos títulos deve continuar alta, apesar do aumento da alíquota. A estratégia do IOF está em linha com a do Tesouro de alongar os títulos e também condiz com o perfil de estrangeiro que a gente quer no Brasil, aquele que vem para ficar e não o que vem e sai num prazo mais curto. O IOF inibe o capital de curto prazo, afirmou.

E EU COM ISSO Quando o dólar se desvaloriza em relação ao real, ficando mais barato, um dos efeitos imediatos é o aumento das importações. Por um lado, ele é positivo, pois amplia a disponibilidade de produtos na economia e barateia as mercadorias no mercado doméstico. Por outro, o dólar acessível diminui o espaço da indústria brasileira no consumo interno e também dificulta a venda dos itens nacionais, encarecidos, em outros países. As consequências nocivas se agravam com as oscilações da cotação, que prejudicam o planejamento das empresas. Segundo os analistas, tudo isso pode afetar o nível de emprego.