Título: Mercosul quer rever status de agregados
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2004, Brasil, p. A2

Motivados por razões diferentes, três países aderiram na semana passada ao Mercosul como membros-associados, dificultando ainda mais a busca por consenso no já tumultuado bloco sob a liderança do Brasil. Colômbia, Equador e Venezuela formalizaram as suas entradas na última sexta-feira, na cúpula de presidentes em Ouro Preto (MG), levando o Mercosul a uma situação inusitada: hoje existem mais membros-associados (Chile, Bolívia e Peru também fazem parte desse time) do que sócios plenos (o quarteto formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). O governo paraguaio, que assumiu a presidência rotativa do bloco, colocou entre as suas prioridades uma revisão do status dos associados. Eles são "parte essencial" e devem assumir um papel "mais protagonista" no processo de integração, disse o presidente Nicanor Duarte Frutos durante a cúpula. Poucos têm uma idéia precisa, no entanto, de como fazer isso. Atualmente, as obrigações e direitos de um país associado são muito limitadas. A pré-condição é assinar um acordo de livre comércio com o Mercosul, como os países andinos alcançaram no ano passado. Eles passam a ter assento no Foro de Consultas e Concertação Política, mecanismo que supostamente deveria alinhar suas ações de política externa. Também assinam a cláusula democrática, pela qual se comprometem a rejeitar mutuamente regimes autoritários nos vizinhos, e gozam de alguns benefícios. Entre eles, a dispensa de passaporte para entrar nos respectivos países e uma série de facilidades consulares. Por exemplo: se um cidadão uruguaio precisar de ajuda numa viagem pelo Oriente Médio, onde Montevidéu não tem representação diplomática, a embaixada brasileira encarrega-se do serviço. Nem mesmo esses tímidos compromissos, porém, acabam saindo completamente do papel. Os cidadãos peruanos continuam precisando, um ano após a adesão de Lima ao Mercosul como membro-associado, de passaporte para entrar no Brasil, que não ratificou no Congresso o acordo bilateral. A coordenação política entre os sócios também continua sendo frágil. O governo brasileiro já anunciou seu respaldo à candidatura do chileno José Miguel Insulza para a secretaria-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), mas outros países se recusam a fazer o mesmo e o Peru chegou a anunciar, durante a cúpula da semana passada, que analisa candidatura própria. Os membros do Mercosul, plenos ou associados, também rejeitaram anunciar uma posição sobre quem preferem na direção da Organização Mundial do Comércio - a existência de duas candidaturas sul-americanas, uma brasileira e outra uruguaia, reflete a falta de diálogo. A confusão é tamanha que o próprio presidente do Chile, Ricardo Lagos, pediu a incorporação do país andino como membro-pleno do Mercosul. Ele afirmou que gostaria de participar, por exemplo, do tribunal de solução de controvérsias recentemente instalado em Assunção. Mas as tarifas de importação no Chile são inferiores a 5% e ele descarta a possibilidade de subi-las para coordená-las com as do Mercosul. O pedido de Lagos é rejeitado pelo Itamaraty, uma vez que o Chile não adota as regras que reforçam a integração no bloco - como acordos sobre serviços ou compras governamentais. "Não há como um tribunal julgar compromissos que não existem", diz um embaixador brasileiro. Lagos reflete os insistentes pedidos que a chancelaria chilena tem recebido da União Européia para reforçar seus laços com a América do Sul. Já a Venezuela buscou, em sua adesão ao Mercosul, um foro a mais para dar visibilidade internacional ao presidente Hugo Chávez. Em Ouro Preto, Chávez discursou por 45 minutos (o limite era 15) e irritou até seus colegas presidentes. A Colômbia foi vista como a maior surpresa: na véspera da cúpula, enviou carta ao governo brasileiro pedindo sua adesão como associada. Poucos crêem em grande envolvimento do país andino. Bogotá é a maior aliada da Casa Branca na América do Sul e há quem aposte, até mesmo no Itamaraty, que seus movimentos com o Mercosul não passam de uma "cortesia".