Título: Quissamã espera usina prometida por J. Pessoa
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Especial, p. A12

"Temos de criar alternativas para o luxo que hoje o petróleo nos dá", diz o prefeito de Quissamã Armando Carneiro Na porta de entrada da antiga Usina de Quissamã, primeiro engenho central de açúcar da América Latina, inaugurado em 1887, lê-se a inscrição: Dulce Laboris Premium. A usina, um esqueleto de ferros e chaminés, fechou em 2003 e o doce sabor do trabalho inscrito na epígrafe do velho prédio transformou-se em decepção para produtores e trabalhadores locais. Iniciou-se então um esforço capitaneado pela prefeitura para recuperar a indústria canavieira do município, mas a volta à operação da usina, anunciada mais de uma vez, está hoje cercada de dúvidas.

A origem do dilema de Quissamã remonta a janeiro de 2003, quando o grupo do empresário pernambucano José Pessoa arrendou 8 mil hectares de terra da usina de Quissamã para o plantio de cana, e se comprometeu a recuperar a usina para uma moagem-teste em 2004. A Empresas JP adiou os planos e hoje, em Quissamã, muitos duvidam se o grupo vai mesmo investir na usina.

O problema é que ao arrendar as terras, onde produz cana para abastecer parte da demanda da usina Santa Cruz, de sua propriedade, em Campos dos Goytacazes, a 65 quilômetros de distância, o grupo marcou posição e dificultou a entrada de outras empresas interessadas em investir em destilaria de álcool no município. Sobraram só terras pulverizadas para o cultivo de cana.

Francisco Pessoa de Queiroz Neto, diretor superintendente de operações da Empresas JP, diz que o grupo estuda a possibilidade montar uma usina em Quissamã ou no Mato Grosso do Sul. Mas afirma que primeiro será preciso aumentar a oferta de cana para resolver o problema de ociosidade da unidade do grupo em Campos. "Assumimos compromisso (de investir em usina em Quissamã), mas não vamos fazer loucura", diz Pessoa. O grupo já construiu oito usinas de produção de açúcar e álcool espalhadas por São Paulo, Rio, Minas, Mato Grosso do Sul e Sergipe.

Haroldo Carneiro da Silva, secretário de Desenvolvimento Econômico de Quissamã, minimiza o problema causado pelo arrendamento da Empresas JP. Ele diz que grupos que procuraram a cidade para investir em destilaria queriam ter produção própria de cana, mas mais recentemente surgiram empresas interessadas em terceirizar a produção, o que facilitaria elevar a oferta de cana já que muitos produtores converteram canaviais em pastagem que poderiam ser reconvertidas para cana.

Norman Steiner, presidente da Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Quissamã, diz que existe projeto da entidade para instalar uma destilaria no município. Seria uma unidade feita em parceria com o setor privado para processar 300 mil toneladas de cana por ano, um investimento de cerca R$ 7 milhões.

Hoje Quissamã e dois municípios vizinhos (Conceição do Macabu e Carapebus) produzem cerca de 800 mil toneladas de cana-de-açúcar por safra, volume que poderia chegar a 2,5 milhões de toneladas/ano com o uso de tecnologia, diz Silva. Ele afirma que no passado recente esses municípios tinham três usinas que, juntas, tinham capacidade de moer quase 1,5 milhão de toneladas por ano.

"Não admitimos ficar fora deste boom", afirma Silva, referindo-se ao crescimento da demanda por álcool no mundo. Há dois motivos para o argumento de Silva: um vem do passado, da tradição do município na produção de cana, e outro aponta para o futuro e refere-se à necessidade de criar alternativas para que a cidade não fique dependente da riqueza do petróleo.

Em 2005, Quissamã recebeu cerca de R$ 50 milhões em royalties da produção de petróleo. O dinheiro dos royalties permitiu ao município investir em infra-estrutura, saúde e educação e atenuou a crise resultante do fechamento da Usina Quissamã. O prefeito do município, Armando Carneiro, irmão de Haroldo, esteve em Aberdeen, na Escócia, para conhecer a experiência de uma região cuja produção de petróleo começou a declinar. "Temos de criar alternativas econômicas para o luxo que hoje o petróleo nos dá", diz.

Um dos projetos de Quissamã é investir na criação de ZENs (Zonas Especiais de Negócios) em que o município cede gratuitamente áreas com infra-estrutura para a instalação de empresas. Quatro empresas estão se instalando na primeira ZEN: um laticínio, um produtor de açúcar mascavo, uma metalúrgica que faz equipamentos para a indústria de cana e uma empresa chinesa que constrói gasoduto. (FG)