Título: Lei de Anistia divide entusiastas da comissão
Autor: Lima,Vandson
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2012, Especial, p. A16

Dois entusiastas da Comissão Nacional da Verdade - cujos trabalhos só dependem da indicação de seus sete integrantes pela presidente Dilma Rousseff para serem iniciados - o ex-secretário nacional dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso José Gregori e o diretor do International Center for Transitional Justice (ICTJ), o peruano Eduardo González Cueva, discordam radicalmente quando o assunto é o alcance da Lei de Anistia.

Aos 81 anos, Gregori mantém-se um ativo defensor da causa. Coautor da Lei nº 9140/95, que reconheceu as mortes e desaparecimentos políticos ocorridos durante a ditadura militar, atualmente é secretário municipal de Direitos Humanos em São Paulo e escreveu um longo artigo sobre a Comissão da Verdade que será publicado pela revista "Interesse Nacional" em abril.

Gregori considera a manutenção da Lei de Anistia - promulgada em 1979 e que absolveu militares e contrários à ditadura de crimes ocorridos no período - a salvaguarda necessária para que a Comissão da Verdade não resvale no revanchismo. "A Lei de Anistia também é seu resultado prático. Ela produziu um ostracismo e um julgamento moral àqueles que se valeram de sua posição política para ferir os direitos humanos".

González, sociólogo responsável pela organização e funcionamento da Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru, criada em 2001, prestou apoio técnico e estratégico para as iniciativas de busca da verdade em lugares tão diversos como Timor Leste, Marrocos, Libéria, Canadá, e os Balcãs ocidentais.

Para o pesquisador, "é um absurdo jurídico" que possíveis assassinos e torturadores que usaram do aparelho do Estado durante a ditadura sejam anistiados. Critica também o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que há dois anos rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por uma revisão na Lei de Anistia.

O assunto voltou à baila com um novo recurso impetrado pela OAB, desta vez para que o Supremo se manifeste sobre a extensão da anistia a agentes públicos que cometeram crimes de sequestro durante a ditadura. Isso porque o Ministério Público Federal apresentou, há duas semanas, denúncia contra o coronel aposentado do Exército, ex-deputado federal pelo PMDB, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, acusado de sequestrar cinco militantes durante a repressão à guerrilha do Araguaia, na região Amazônica, em 1974.

Como essas pessoas nunca foram encontradas, a tese defendida pelo MP é que o crime persiste, sendo impossível definir sua data e, portanto, não estaria ao alcance da Lei de Anistia. A previsão é que o recurso volte à pauta do STF amanhã.