Título: A proteção das criações empresariais
Autor: Emerenciano, Sergio P.
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Uma preocupação que afeta muitos empresários que optam por terceirizações e parcerias, especialmente em empresas que lidam com serviços e tecnologia, é a proteção de certos tipos de informação e de práticas comerciais que, passíveis ou não de proteção através de direitos de propriedade intelectual, são tão fundamentais para o negócio da empresa-alvo que torna-se também fundamental encontrar meios para mantê-los em rigoroso sigilo.

Não existe uma definição na lei brasileira para segredo de negócio, mas podemos afirmar que esse segredo é tudo o que a empresa desenvolve para sua atuação, como conhecimentos científicos, processos de fabricação, listagens de clientes, listagens de contatos, maneiras de formação de preços, métodos de apuração de custos, demonstração e formas de apuração de resultados, metodologias de vendas e tantas outras informações confidenciais que a empresa leva anos e muita dedicação para construir - e sua divulgação ou apropriação indevida certamente irá causar graves dissabores às atividades da empresa.

Fazendo-se uma leitura do artigo 5º e incisos da Constituição Federal, facilmente podemos chegar à conclusão de que a propriedade é um dos direitos fundamentais do homem, na medida em que preconiza: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". Seguindo no mesmo artigo, o inciso XII preceitua que é garantido o direito de propriedade. Nota-se que o legislador constitucional considerou, desta forma, a propriedade como um dos direitos mais importantes do homem, mostrando suas tendência neoliberal capitalista, que vê na propriedade um dos institutos mais importantes da sociedade nos dias atuais.

Com essas considerações, quando nos remetemos para o campo das invenções industriais, o mesmo legislador constitucional também preconizou sua proteção, dentro do capítulo dos direitos fundamentais. Todavia, observa-se que essa espécie de propriedade não pode ser considerada um direito fundamental.

Para tanto, é pertinente colacionarmos o artigo 5º, inciso XXIX da Constituição Federal, que prescreve que "a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como a proteção às criações industriais, à propriedade das marcas aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país".

Lastreando-se em nossa Constituição, é correto afirmar que nosso país pugna pela livre concorrência esculpida no artigo 170, inciso IV do texto constitucional, sendo que a noção tradicional pressupõe um grande número de competidores, os quais atuam de forma livre no mercado de um mesmo produto, tendo como conseqüência uma oferta e procura proveniente de compradores e vendedores.

-------------------------------------------------------------------------------- As empresas estão desprotegidas ao não darem a importância devida ao tema quando fazem seus contratos --------------------------------------------------------------------------------

A repressão à concorrência desleal também encontra guarida na Constituição Federal de 1988, que prevê em seu artigo 173, parágrafo 4º, que a lei irá reprimir as atividades econômicas que se dêem com abuso de poder, visando a dominação dos mercados e a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Como exemplo de concorrência desleal, podemos destacar o caso de um comerciante ou industrial que, no exercício normal de sua atividade profissional, causa danos aos seus concorrentes e encontra justificação de sua conduta no direito da livre concorrência.

Não diferente, o Código de Defesa do Consumidor - a Lei nº 8.078, de 1990 - também traz como princípio da política nacional de relações de consumo a repressão à concorrência desleal, esculpida em seu artigo 4º, inciso VI, ao lecionar que a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas, nomes comerciais e signos distintivos que possam causar prejuízo aos consumidores.

Em suma, podemos concluir que a nossa Constituição Federal elegeu o mercado interno como um elemento de proteção do patrimônio nacional, exigindo do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o exercício da forma da lei de sua fiscalização.

Nos dias atuais, as decisões judiciais cada vez mais têm entendido pela proteção das criações intelectuais. Em recente decisão proferida pela 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, em um caso de extrema complexidade e repleto de particularidades, diante da ausência de qualquer instrumento contratual delimitando as "competências, titularidade e participações nos trabalhos intelectuais desenvolvidos em parceria", obtivemos um reconhecimento judicial da participação acerca da criação intelectual, revertendo-se em indenização por danos materiais.

Em síntese, a decisão judicial julgou procedente em parte os pedidos formulados em face do primeiro réu somente para condená-lo a pagar às autoras uma indenização por danos materiais decorrentes da efetiva participação destas no processo de criação dos programas.

Na contramão de nossos tribunais, que começam a reconhecer a participação nas criações, a questão ainda carece de atenção por grande parte das empresas, que continuam desprotegidas ao ignorarem o tema ou não darem a importância devida quando transacionam e instrumentalizam os contratos que compõe suas parcerias e terceirizações.

Nesse sentido, para que os direitos patrimoniais e morais sobre o trabalho intelectual sejam de fato garantidos aos seus criadores e àqueles que cooperaram para sua criação, minimizando questionamentos futuros, recomenda-se que sejam realizados instrumentos que descrevam exatamente a quem pertencem os direitos de criação e aqueles revelados e aperfeiçoados em decorrência do negócio firmado entre as partes.

Sergio P. Emerenciano é advogado especialista em práticas concorrenciais do escritório Emerenciano, Baggio e Associados Advogados