Título: PMDB reivindica controle da irrigação que hoje está com o PSB
Autor: Junqueira ,Caio
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2012, Política, p. A10

Estão mais uma vez em lados opostos dois dos principais partidos aliados do governo da presidente Dilma Rousseff, agora na disputa pela área de irrigação, de crucial importância, especialmente para o Nordeste. O PMDB reivindica a retomada do controle das políticas públicas de irrigação no país para o Ministério da Agricultura, já que desde o fim dos anos 1990 elas estão concentradas no Ministério da Integração Nacional, chefiado pelo PSB.

Mais do que um orçamento de R$ 2,9 bilhões e a capilaridade de atuação em 15 Estados, o que está em jogo é o controle do programa Mais Irrigação, cujo lançamento pelo governo está previsto para este mês e deve destinar mais de R$ 10 bilhões em projetos para potencializar o setor até 2014.

Por meio dele, serão estimuladas parcerias público-privadas e concessões públicas para a gestão dos atuais e futuros projetos de irrigação. A meta é ampliar a área irrigada pública do país dos atuais 380 mil hectares para 580 mil hectares em dois anos. Também se pretende recuperar e modernizar as atuais áreas irrigadas.

Quem está à frente disso é o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho (PSB), braço-direito do governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos. Tão logo assumiu o posto, criou a Secretaria Nacional de Irrigação para nacionalizar o serviço no país, hoje concentrado no Nordeste do país, nas áreas de influência do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codesvasf).

Politicamente, a desconcentração de áreas irrigadas do Nordeste converge com o projeto do PSB e de Campos de ter maior inserção nos Estados do Sul e do Sudeste do país. No entanto, a nomeação em agosto do deputado federal pelo PMDB do Rio Grande do Sul Mendes Ribeiro para o Ministério da Agricultura passou a ameaçar esse projeto político-partidário do PSB. Mendes tem utilizado seu trânsito direto com Dilma para tentar convencê-la de que irrigação deve ser assunto exclusivo de sua Pasta, tal qual outras áreas que foram sendo aos poucos retiradas do âmbito da Agricultura, como a regulação da floresta plantada (hoje no Ministério do Meio Ambiente) e a agricultura familiar (que tem uma Pasta específica, o Ministério do Desenvolvimento Agrário).

Mas retomar a irrigação tem viés prioritário para Mendes, principalmente após seu ministério perder espaço no pouco que lhe restava nesse setor: o financiamento agrícola. Após a crise financeira internacional, seu Programa de Financiamento à Irrigação e à Armazenagem (Moderinfra) acabou sendo esvaziado pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES, com condições mais favoráveis de financiamento aos agricultores. Entre julho do ano passado e fevereiro deste ano, o PSI liberou R$ 4,3 bilhões à agricultura. O Moderinfra, durante todo o período em 2011 liberou apenas R$ 57 milhões.

Mendes já tratou da retomada da irrigação com a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais. E anima os ruralistas com seu objetivo. Em recente reunião fechada com a bancada pemedebista na Câmara dos Deputados para tratar do Código Florestal, disse: "Estou trabalhando para trazer a irrigação para o ministério." Seu argumento é de que não é possível elaborar políticas agrícolas eficientes sem ter o controle da irrigação no país.

Dessa opinião compartilham - e a utilizam como meio de pressão sobre Mendes - seus correligionários e o setor da agropecuária, principalmente de seu Estado. Segundo a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), na última safra o prejuízo foi de R$ 5,7 bilhões. "Perdemos milhões de toneladas de produtos, nos endividamos, o Estado perde ICMS. Se tivesse política de irrigação tudo isso seria prevenido. Hoje ela é feita por espasmos", aponta o deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS), integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária. Ele acusa ainda a Integração Nacional de querer manter a irrigação sob sua competência por razões políticas. "Imagina irrigar a área rural de uma cidade com 50 mil, 100 mil habitantes. Quantos eleitores tem aí? Do ponto de vista eleitoral, isso é ótimo."

Quem primeiro percebeu isso foi o então presidente da República José Sarney (PMDB). Em 1986 ele tirou essa área do Ministério do Interior, hoje extinto, e criou o Ministério Extraordinário para Assuntos de Irrigação. Com ele, dois programas: o Programa de Irrigação do Nordeste (Proine) e o Programa Nacional de Irrigação (Proni). Ambos foram um fiasco e dois anos depois a Pasta foi extinta. Suas funções foram levadas, pela primeira vez, ao Ministério da Agricultura, dentro da Secretaria para Assuntos de Irrigação. Ficaram ali até 1999, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) transferiu a competência para o Ministério da Integração Nacional, via Dnocs e Codevasf. Isso explica porque, desde então, o controle dos dois órgãos é tão disputado pelos aliados. No passado, eram reduto do PFL nordestino. Hoje, PSB, PT e PMDB duelam constantemente por elas. Ainda mais em um momento em que seus presidentes estão na condição de interinos.

O Dnocs era ocupado até fevereiro por Elias Fernandes, indicado do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Após um entrevero com Dilma, Fernandes caiu e foi substituído por Ramón Rodrigues, secretário Nacional de Irrigação da Integração Nacional e ligado ao governador do Ceará, Cid Gomes (PSB). A Codevasf está sendo comandada por Guilherme Almeida, ligado ao ministro Fernando Bezerra. Quem age para ocupar a autarquia é o governador da Bahia, Jaques Wagner, em especial após ver dois ministros baianos próximos a ele deixarem o cargo: Mário Negromonte, da Cidades, e Afonso Florence, do Desenvolvimento Agrário. Também quer o cargo o governador do Piauí, Wilson Martins (PSB). Inclusive ele já indicou seu irmão, Rubens Martins, para o posto.

A cúpula do PSB, porém, se segura para manter as duas autarquias em sua órbita, o que só acirra a disputa pela irrigação do país. E quer atuar politicamente com a expansão que virá com o programa Mais Irrigação.

Hoje, dos 71 chamados "perímetros públicos de irrigação" no país, 16 (18%) estão fora do Nordeste. Apenas dois estão no Rio Grande do Sul, onde a estiagem prejudicou a produção em sete das dez últimas safras. Esse dado é central na frente pemedebista. Mas o PSB resiste.

"O Ministério da Agricultura é muito abrangente, atua em muitos outros setores. A irrigação ali ficaria diluída e a política de irrigação perderia. Não que eles não tenham condições de assumir, mas é a dimensão do ministério que dificulta", declarou Ramón Rodrigues, presidente interino do Dnocs e secretário nacional de Irrigação.