Título: Atuação do TSE leva Lula a cogitar licença para dedicar-se à campanha
Autor: Costa, Raymundo e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2006, Política, p. A4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva analisa a possibilidade de tirar uma licença de 30 ou 20 dias da Presidência para dedicar-se apenas à campanha, mas ainda tem dúvidas sobre se deve passar o cargo ao vice-presidente José Alencar num período tão crítico das eleições. A proposta divide os ministros mais próximos do presidente, e a decisão final será tomada em função dos desdobramentos da campanha.

O que no momento incomoda Lula e os ministros integrados ao esforço da reeleição é a ação da Justiça Eleitoral. O presidente recebeu estudos comparativos sobre o comportamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 1998, durante a campanha de reeleição de Fernando Henrique, e as decisões tomadas até agora, quando a campanha de 2006 está apenas se iniciando. Chegou à conclusão de que há diferença de tratamento entre um caso e outro. Atualmente, o TSE estaria sendo muito mais exigente em relação às restrições impostas ao governante que concorre à reeleição.

De uma penada só, por exemplo, o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, abortou cinco campanhas programadas pelo governo. Entre elas, campanha de prevenção de queimadas para proteger linhas de transmissão da Eletrobrás, sobre o Projeto Rondon, de incentivo à higiene bucal, de estímulo ao consumo de feijão e arroz, e a divulgação do prêmio Professores do Brasil. O governo lamenta também as restrições à divulgação de números telefônicos para atendimento de socorro médico-ambulatorial.

Para Lula e ministros que colaboram com a campanha, seria normal o TSE barrar campanhas com a marca do governo Lula, "Brasil - Um país de todos", mas não campanhas de natureza institucional, que prestam um serviço de utilidade pública e não teriam motivação eleitoral, como a que previne queimadas na Amazônia. Na campanha eleitoral de 1998, atendendo a um pedido do PT, o tribunal proibiu que Fernando Henrique Cardoso usasse a logomarca "Brasil, 8 anos construindo o futuro".

Antes do início oficial da campanha, a oposição acusava Lula de usar eleitoralmente solenidades e inaugurações, em viagens pelo país. Depois, o presidente é que passou a reclamar das restrições legais impostas ao candidato que disputa no cargo a reeleição. Numa solenidade em Minas Gerais, chegou a dizer que o governante ficava impedido de governar.

O presidente também se queixa da divisão do noticiário de mídia entre as campanhas. Essa divisão estaria sendo prejudicial a ele, se comparada com o que os telejornais fizeram em 1998. À época, FHC contava, ao mesmo tempo, com a cobertura das ações do presidente e das atividades de campanha do candidato, separadamente. Atualmente, especialmente a televisão, estaria se limitando a noticiar as atividades do chefe de governo.

Em conversa com ministros, o presidente Lula pediu que eles atuassem na campanha "sem medo" da Justiça Eleitoral. "O que nós não podemos é ficar emparedados", disse um desses ministros. A determinação de Lula não significa uma ordem para ministros transgredirem a legislação eleitoral, evidentemente, mas ficou subentendido que eles devem testar os limites.

A licença de Lula divide ministros integrados à campanha. Alguns, como Luiz Dulci, acreditam que é melhor Lula ficar no cargo e se expor ao máximo como o presidente preocupado em governar. Outros, como Luiz Marinho (Trabalho), defendem a licença por 30, 20 ou até 15 dias. São os ministros que querem tirar o presidente de dentro do gabinete para colocá-lo mais junto à população, ambiente onde Lula se dá melhor. O presidente tem dúvidas sobre a licença. O risco é José Alencar presidente, com exposição máxima, fazer alguma declaração que cause constrangimentos à campanha.

Mesmo com todas as restrições legais, Lula ainda dispõe de um arsenal à mão para adotar medidas com reflexo eleitoral, sem ultrapassar os limites da legislação. É o que pretende fazer, nos próximos dias em relação ao Rio Grande do Sul, Estado onde o presidente tem o pior desempenho nas pesquisas de opinião e onde a economia brasileira está em recessão (seca, concorrência chinesa e um tarifaço patrocinado pelo governador Germano Rigotto): está pronto o projeto pelo qual o governo vai ampliar o crédito e outros benefícios recentemente concedidos ao setor calçadista para os setores de máquinas e móveis. E os recursos devem dobrar de R$ 400 milhões para R$ 800 milhões.

O projeto de comparar os indicadores da era FHC com os três anos e meio de Lula - que seriam "muito melhores" - está de pé. Aliás, "cadê o Fernando Henrique?" - provoca um dos principais assessores de campanha do presidente. Entretanto, esses assessores se mostram intrigados com o fato de que não está havendo relação de causa e efeito entre a crítica a Fernando Henrique e a queda de Alckmin nas pesquisas. "O Alckmin é PSDB e PFL", lembram. Talvez por isso é que o ex-governador vai entrar de vez na linha de tiro da campanha.

Pelo palavreado dos auxiliares de Lula é possível prever o tom do que vem no horário eleitoral: "Alckmin vai dar um choque de gestão do PCC e da Febem no Brasil", diz um ministro. "Vamos mostrar a eficiência dele, vamos mostrar São Paulo, o metrô que liga nada a coisa nenhuma, a educação, mostrar o pessoal que sai da oitava série sem saber ler e escrever. O Chalita (Gabriel, secretário de Educação de São Paulo) acabou com aquilo".