Título: Panamá revive o milagre brasileiro
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Fonte: Valor Econômico, 14/03/2012, Internacional, p. A10

Ela não resistiu à autopromoção. "O presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, e eu nos encontramos", tuitou a apresentadora de TV americana Martha Stewart durante visita a Simca, uma ilha privada de propriedade do papparazzo e investidor multimilionário Jean Pigozzi. "O Panamá está crescendo e prosperando", acrescentou.

O país tornou-se recentemente o destino de socialites indiscretas, aposentados americanos em busca de um inverno ameno, investidores venezuelanos fugindo do sonho socialista do presidente Hugo Chávez e de qualquer um em busca de um mercado imobiliário com crédito fácil e em franca expansão.

O Panamá é a economia com crescimento mais rápido das Américas. No ano passado, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 10,6% e, para este ano, espera-se um aumento de 7%. O desempenho se assemelha ao "milagre brasileiro" da década de 1970. Quase do dia para a noite, a Cidade do Panamá se converteu de uma "Casablanca do Pacífico" em um pedaço de Manhattan nos trópicos.

O boom deve-se, em parte, ao Canal do Panamá, sob controle do país desde 1999. Mais de 4% do comércio mundial passa por ele, número que deve dobrar quando um plano de expansão de US$ 5,3 bilhões se completar, em 2014. "Isso será um marco [para o país]", diz Alberto Alemán, executivo-chefe da Autoridade do Canal de Panamá.

No entanto, Martinelli, um magnata do setor de supermercados, eleito em 2009, foi adiante, bombando o crescimento econômico com um programa de investimentos de US$ 13 bilhões - equivalente à metade do PIB (Produto Interno Bruto) do país.

Esse quadro é raro na América Central, mais frequentemente associada à violência do narcotráfico e ao desespero econômico. Ainda assim, e apesar dos bons tempos, os panamenhos estão preocupados com a corrupção, a sustentabilidade do crescimento e com uma atitude arrogante e autoritária de Martinelli.

Recentemente, a comunidade indígena de Ngäbe-Buglé paralisou o país ao bloquear a rodovia pan-americana depois que o governo acelerou planos de construir uma usina hidrelétrica e uma mina de cobre em suas terras. Três pessoas morreram em confrontos com a polícia.

Martinelli e seu governo são acusados por alguns de tratar o país como uma companhia privada e de intimidar a imprensa. Roberto Eisenmann, fundador do jornal "La Prensa", diz que o diário foi alvo de uma fiscalização tributária e de uma multa de US$ 1,5 milhão após ter publicado reportagens sobre corrupção governamental. O governo disse que se tratar de um caso de sonegação de impostos e negou a ligação com os textos.

A aprovação de Martinelli caiu de 73% a 33% no último ano. Autoridades reconhecem problemas, mas dizem que eles representam as "dores de crescimento" de uma economia jovem e veem o futuro com otimismo. No fim das contas, o Panamá apresenta a característica de qualquer entroncamento bem sucedido: a localização.

O setor de navegação segue sendo crucial. Mas autoridades apontam também para as multinacionais, como Procter & Gamble e SABMiller, que fizeram do Panamá sua base regional. Não há, no país, as tediosas restrições de vistos, como em Miami.

Cinco cabos submarinos de fibra ótica atravessam o país. A bem administrada empresa aérea local, Copa, tem um número tão grande de passageiros que, sozinha, perfaz 4% do PIB do país.

Em um caso sem similares na América Latina, os britânicos são os maiores investidores no país, com 8 bilhões de libras (US$ 12,5 bilhões) comprometidos.

"Nós não podemos construir armazéns suficientemente rápido", disse Henry Kardonski, gerente geral da Panama Pacifico, um investimento de US$ 600 milhões da companhia London & Regional que transformará uma base aérea americana em um parque industrial repleto de empresas de logística e de dados, além de um campo de golfe. Autoridades da Colômbia têm visitado o local para ver como o projeto funciona.

Os sofisticados bancos panamenhos são parte da resposta, com diplomatas sugerindo que o negócio de lavagem de dinheiro mudou-se para o Equador. "É mais difícil abrir uma conta bancária aqui do que em Miami", diz Nicolas Barletta, da entidade supervisora do sistema bancário.

Tudo isso transformou a Cidade do Panamá em um canteiro de obras. Uma mega-hotel da franquia Hard Rock ficará pronto em abril, com 1.500 quartos.

Críticos dizem que os gigantescos projetos de infraestrutura, incluindo um sistema metroviário de US$ 2 bilhões, permitem que autoridades ultrapassem os limites. Pelos planos do governo, uma via elevada será construída ao redor dos bairros coloniais. O projeto, que levou a Unesco a ameaçar retirar da zona o status de Herança Mundial, circulará a região rumo ao mar e ligará os arranha-céus a leste da cidade velha com aqueles que serão construídos a oeste.

Projetos superdimensionados e investimentos ruins fazem parte de qualquer boom. No Panamá, isso parece inevitável. Mais do que o cuidadosamente calibrado crescimento de Cingapura, a grandiosidade de uma nova Dubai pode estar brotando nas selvas da América Central.