Título: A hora da verdade
Autor: Mainenti, Mariana; Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2010, Economia, p. 14

Riscos de supervalorização do real obrigam Dilma Rousseff e José Serra a resgatarem temas esquecidos para o debate do segundo turno

Equilibrando-se na corda bamba das pesquisas eleitorais, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) chegaram ao segundo turno da corrida pelo Palácio do Planalto adotando a tática do erro zero, sem se comprometer com polêmicas e abusando das generalidades. Temas da agenda econômica considerados espinhosos entram agora no radar dos candidatos. A três semanas da decisão nas urnas, a estratégia de não perder votos pelo que pensam ou falam ¿ até então levada ao pé da letra ¿ se enfraquece, ao menos nos assuntos que mexem com o bolso das pessoas. Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra Dilma com 48% das intenções de votos e Serra, com 41%.

Tanto a petista quanto o tucano terão de ir para o debate franco e aberto. Questões como câmbio, juros, Previdência, responsabilidade fiscal e funcionalismo estão no cardápio. O confronto de ideias sobre esses e outros assuntos aos poucos evidencia diferenças e coincidências entre os dois concorrentes à sucessão presidencial. ¿Em uma eleição muito midiatizada ninguém detalha as propostas, as campanhas são abstratas. Por outro lado, o eleitor não será tocado pela complexidade do tema. Vai ser tocado por algo que faça a diferença na vida dele¿, analisa Rafael Cortez, cientista político da Consultoria Tendências.

O fato de José Serra tentar resgatar o legado deixado por Fernando Henrique Cardoso, elogiando as privatizações e as políticas de universalização realizadas nos anos 1990 e 2000, é parte de uma nova postura para conquistar simpatizantes. O mesmo vale para Dilma, que, ao insistir no aprofundamento das políticas sociais a partir de 2011 e na defesa de um Estado indutor do desenvolvimento, mira homens e mulheres que optaram por outras plataformas no primeiro turno. Assuntos populistas, no entanto, unem a petista ao tucano.

Ao falar de salário mínimo, Serra promete elevar o valor para R$ 600 já a partir do próximo ano. Dilma diz que aumentará o subsídio básico a um patamar acima do proposto pelo concorrente, mas sem definir prazos. Ambos, porém, esquivam-se de explicar como cumprirão a promessa, qual o custo financeiro da medida e seus impactos sobre aposentadorias, pensões e caixas de governos estaduais e municipais. No caso do Bolsa Família, idem. As propostas de ampliação do programa de transferência de renda são quase idênticas na forma e no conteúdo.

Ferro e fogo

Zeina Latif, economista-sênior do Royal Bank of Scotland (RBS) para América Latina, avalia que o que Dilma e Serra falam no calor da campanha precisa ser filtrado: ¿Não acredito que o que está sendo dito agora possa servir como sinalizador de fato para a agenda econômica.¿ Um exemplo clássico, segundo ela, é a veemência com que Serra aborda a questão da queda dos juros . ¿Não acho que, se vencer as eleições, Serra provocará queda dos juros no início de 2011 se não houver condições para isso. Ele conseguirá que os juros caiam fazendo uma boa política monetária. Não fará isso de forma arbitrária ou por meio de algum tipo de intervenção no Banco Central¿, reforça Zeina. Em se tratando de gastos públicos, o raciocínio também se aplica a Dilma, completa a analista. ¿Seria precipitado tomarmos a ferro e fogo tudo o que os candidatos dizem¿, justifica.

Ruídos causados por temas que envolvem aborto, união estável entre pessoas do mesmo sexo e controle da mídia reduzem os espaços para que os candidatos aprofundem ou expliquem suas iniciativas de governo. Neste segundo turno, a massificação do debate em torno desses ícones sensíveis congestionou a agenda econômica na disputa pela Presidência da República. Fenômeno até certo ponto natural e amplamente vivenciado pelo eleitor brasileiro em embates passados, mas que não podem se sobrepor a outras tão ou mais importantes, advertem especialistas, ressaltando, por exemplo, a supervalorização do real ante o dólar, que está pondo em risco a indústria brasileira (leia mais sobre câmbio na página 19).

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, chama a atenção para o papel do Legislativo em 2011 e nos próximos anos. ¿O grande ponto é que os dois candidatos estarão mais amarrados ao Congresso e, por mais que se diga que eles leram livros semelhantes, seus partidos leram livros muito diferentes. Essa diferença será essencial na condução da política econômica nos próximos anos, principalmente no caso de Dilma, cuja experiência política é nula¿, resume.

O grande ponto é que os dois candidatos estarão mais amarrados ao Congresso e, por mais que se diga que eles leram livros semelhantes, seus partidos leram livros muito diferentes

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados

Pressão aumentará

GABRIEL CAPRIOLI

Os brasileiros levaram as eleições para o segundo turno e adiaram por quase um mês a definição de quem será o próximo presidente da República. O escolhido, no entanto, encontrará pela frente, além dos problemas exacerbados na campanha ¿ saúde, educação, segurança ¿ questões que até então permanecem quase intocadas e há muito seguem sendo arrastadas, indefinidas. A resolução desses temas tabus, como a reforma dos sistemas previdenciário, trabalhista e tributário, a profissionalização da gestão pública e o enxugamento do Estado, torna-se cada vez mais urgente, na medida em que o país cresce no cenário econômico global.

O pepino é tão grande que alguns desses assuntos foram evitados pelos candidatos durante a campanha presidencial, a despeito dos apelos de importantes segmentos da sociedade a, por exemplo, reforma tributária. Com uma carga de impostos equivalente a quase 35% de todas as riquezas produzidas, o país está entre os campeões mundiais, mas sem atender, nem de longe, serviços básicos à população. ¿O Estado tem muito a fazer ainda, porque a questão não é nem o quanto se cobra, mas para qual fim se cobra¿, defende Jorge Lobão, consultor do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco). O primeiro passo para aprimorar o sistema tributário, na avaliação do especialista, seria revisar tributos e contribuições, que se interpõem. ¿Por que não ter apenas um imposto para cada finalidade?¿, questiona.

O corte de gastos e o saneamento das contas públicas são frentes delicadas embutidas nas campanhas que não foram aprofundadas por temor dos candidatos em desagradar setores da sociedade que os apoiam. A pressão do mercado é de que o novo presidente da República pise no freio e reavalie as despesas e os compromissos assumidos na atual gestão. A redução na gastança é defendida abertamente apenas pelo candidato Serra ¿ Dilma descarta a ideia. ¿Quando se fala em ajuste fiscal, a questão não é reduzir os gastos, mas conter o ritmo de crescimento. São coisas completamente diferentes¿, lembra José Luís Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB).

Previdência

Outra pedra no sapato do sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva será a reforma da Previdência, tema impopular que há anos é debatido por governos e pelo Congresso Nacional. Para a advogada especialista no assunto Andreia Antonacci, a primeira definição deverá ser em relação ao fator previdenciário, mecanismo que considera a idade do contribuinte e a expectativa de vida no país no momento da aposentadoria para calcular os benefícios. ¿A intenção não é achatar os pagamentos, mas tentar evitar que os benefícios sejam solicitados cada vez mais cedo¿, afirma.

Várias propostas estão em análise, como novas fórmulas de cálculo de benefícios, como a que eleva a idade mínima para aposentadoria e a que considera a eliminação de acúmulo de pagamentos (pensões e aposentadoria) para um mesmo contribuinte. Com o envelhecimento acelerado da população, os candidatos deverão lutar contra a ampulheta para definir a questão, sob o fogo cruzado proveniente das entidades que representam os trabalhadores beneficiados e das limitações de recursos da pesada máquina governamental.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, cita ainda os juros e os investimentos públicos como pontos que devem ser analisados com cuidado sob a perspectiva de cada um dos candidatos. ¿Quando o Serra fala que os juros estão elevados, ele está certo. Mas não me parece que vá tentar baixar a Selic (taxa básica da economia) por imposição. No caso dos investimentos, é importante observar os exemplos que existem. O estado de São Paulo foi bem mais eficiente em termos de investimentos públicos em infraestrutura. O governo petista, ao contrário, acredita em obras faraônicas, como trem-bala e usinas como Belo Monte¿, afirma.