Título: Real forte pode trazer crise
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2010, Economia, p. 19

Mundo se debate para pôr fim à guerra cambial. Produtos brasileiros perdem competitividade e rombo nas contas externas bate recorde

O segundo turno das eleições presidenciais no Brasil será decidido em meio a uma guerra cambial. Com o dólar derretendo mundo afora frente a outras moedas, nações exportadoras passaram a travar uma batalha diária para conter a supervalorização de suas divisas e, assim, não perderem espaço no comércio internacional. Com o dólar no menor nível em dois anos, a fatura dessa disputa já está custando caro ao atual governo, mas o problema explodirá realmente no colo do próximo presidente da República. Os postulantes ao cargo, no entanto, são superficiais nas propostas acerca do tema ¿ o Brasil fechará este ano com o maior deficit nas contas externas desde 1947 ¿ e coube ao mercado financeiro especular sobre as possíveis linhas de atuação dos candidatos.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tomou os cuidados necessários para não atiçar a fúria do candidato do PSDB, José Serra, em relação ao governo e não alimentar os possíveis ataques à atual política econômica, que, no entender do tucano, está sendo responsável por uma ¿desindustrialização do país¿. Nos últimos dias, a administração Lula baixou várias medidas para conter a excessiva valorização do real, como a duplicação ¿ de 2% para 4% ¿ do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) incidente na entrada de dólares no país. Mas, até agora, nada surtiu efeito.

Ciente de que a bomba está prestes a explodir, a candidata petista Dilma Rousseff tratou de difundir o discurso de que o derretimento do dólar é um problema estrutural, devido à fragilidade das economias desenvolvidas em sair do atoleiro no qual se meterem desde setembro de 2008, com o estouro da bolha imobiliária dos EUA.

Para os analistas, a guerra cambial colocou os presidenciáveis em uma encruzilhada, seja quem for o vencedor na disputa a ser travada no 31 de outubro próximo. A se confirmar a necessidade de o Banco Central subir juros no máximo até o segundo trimestre de 2011 para conter a inflação ¿ de acordo com projeções do mercado ¿, a enxurrada de dólares só aumentará, valorizando ainda mais o real e tirando a competitividade dos produtos nacionais no exterior.

Na avaliação de Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora, no caso de Serra ser eleito, o tucano intervirá mais fortemente no câmbio e, de certo modo, seu discurso de austeridade fiscal estaria alinhado com as possíveis soluções para a depreciação do dólar. ¿Ele tem um viés que defende um câmbio mais competitivo. Tem uma linha de pensamento que defende um aumento de exportações. Para isso, ele é a favor de corte de gastos e de juros¿, diz.

Principal pensador econômico do grupo de Serra, Geraldo Biasoto, diretor executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), tem dito que o BC abandonou o mercado de câmbio em 2003, quando passou a comprar dólares apenas no fim do dia e somente para compor reservas. Segundo o crítico tucano, o banco assumiu uma postura passiva. Mas, a principal queixa do PSDB é em relação às disparidades existentes na política econômica do governo Lula. Enquanto a equipe do BC atua para reduzir a inflação a níveis confortáveis para a população, o Ministério da Fazenda segue em linha oposta, ampliando gastos e liberando em ritmo acelerado crédito para consumo.

Já a petista Dilma Rousseff afirma que para o Brasil superar o problema cambial é preciso aumentar a competitividade da indústria. Ela também defende uma reforma tributária e a diminuição do endividamento público.

Regras para intervenção

Em clima de beligerância, líderes do setor financeiro que participaram da reunião do Fundo Monetário Internacional estão discutindo uma nova cartilha de ¿regras da estrada¿ para a política cambial, estabelecendo diretrizes para intervenções e reformas. Foi o que informou ontem o ministro das Finanças do Canadá, Jim Flaherty. Ele admitiu, porém, que nenhum acordo será fechado agora para pôr fim à guerra cambial. Se houver algum avanço, eles sairão dos próximos encontros do G-20 e das nações em desenvolvimento, em Seul (Coreia do Sul).

Consumo deve esfriar

A despeito do discurso, a petista Dilma Rousseff sabe que a margem para erro é pequena devido aos intensos gastos públicos do governo Lula. De acordo com o Banco Central, o crescimento do país cairá de 7,5% em 2010 para 4,5% no próximo ano. Até 2014, essa expansão se dará de forma sustentada, na casa dos 5% ao ano. Nas projeções do Partido dos Trabalhadores, esse incremento no Produto Interno Bruto (PIB) não pode ser inferior a 5%. Caso contrário, encolher o endividamento será realmente necessário e bastante doloroso ao possível governo Dilma, que tem tendência para desembolsos elevados.

Com a enxurrada de dólares que inunda o país, o deficit externo crescente poderá ser resolvido, na avaliação do chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, com o investimento estrangeiro direto se expandindo acima do PIB. Mas, nessa situação, também seria necessário desacelerar o consumo das famílias e do governo, e por tabela, as importações, o que faria a taxa básica de juros (Selic) cair gradualmente e o câmbio se depreciar sem causar problemas inflacionários.

Ao pesar as possíveis formas de atuação dos dois candidatos, a conclusão de analistas é uma só: eles usarão ferramentas semelhantes caso sejam eleitos. ¿É tudo um grande achismo. Não temos clareza de nenhum dos dois lados. O que de fato eles poderiam fazer, além do que o governo já faz hoje, aparentemente é pouco¿, avalia Mariana Costa, economista-chefe da Corretora Link Investimentos. (VM)

Geithner pede livre flutuação

» Em um recado direto à China, que insiste em manter a sua moeda, o iuan, desvalorizada, o secretário do Tesouros dos Estados Unidos, Timothy Geithner, afirmou ontem que os países muito dependentes de exportações precisam mudar suas políticas, deixar os câmbios mais flexíveis e começar a estimular mais a demanda doméstica. ¿É preciso ver mais avanço na maioria dos países emergentes para um câmbio mais flexível, mais orientado pelo mercado. Isso é particularmente importante para aqueles países cujas moedas estão significativamente subvalorizadas¿, disse. Ele ressaltou ainda que o trabalho dos governos para a recuperação da economia global está longe de ter acabado, tanto que o nível de emprego nas economias avançadas está abaixo dos patamares pré-crise (2008).

Deficits assustam

Washington, EUA ¿ Depois de minimizar o rombo nas contas externas do Brasil, provocado pela supervalorização do real, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu que os crescentes deficits em transações correntes dos países emergentes e desenvolvidos se tornaram um foco de preocupação. Para ele, não há condições que tais desequilíbrios se mantenham por muitos anos, pois o estrago será grande. Neste ano, até agosto, as contas externas brasileiras registraram um buraco três vezes maior do que o observado em 2009, caminhando firme para os 3% do Produto Interno Bruto (PIB).

Em discurso no Comitê Monetário e Financeiro Internacional, no Fundo Monetário Internacional (FMI), Mantega Foi taxativo: ¿O aumento dos deficits em conta-corrente nos países emergentes e avançados pode se tornar uma fonte de preocupação e é irreal achar que é possível que essa tendência continue indefinidamente¿. Ele alertou ainda que os juros perto de zero, praticados nos Estados Unidos, no Japão e na Europa, e a forte injeção de recursos na economia ajudam a estimular a demanda doméstica desses países, mas tendem a enfraquecer as suas moedas e a aumentar as exportações líquidas de bens e serviços.

¿Algumas economias avançadas estão intervindo diretamente no câmbio para enfraquecer suas moedas. Foi por isso que, recentemente, falei sobre a guerra cambial¿, afirmou Mantega. Para o ministro, a recuperação nos países desenvolvidos continua fraca, independentemente das surpresas positivas na primeira metade deste ano. Dados mais recentes da economia apontam um quadro menos favorável. O temor do ministro é de que, para evitar o pior, EUA, Japão e Europa decidam intensificar suas políticas de estímulos, causando mais distorções no câmbio.