Título: Brasil e Estados Unidos: sonhando com o possível?
Autor: Meiman,Kellie
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2012, Opinião, p. A28

Na medida em que se aproxima a visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, os dois governos deram início à corrida habitual de definição de uma agenda conjunta robusta, de declarações significativas e oportunidades para fotos brilhantes. Foi mantido o bom relacionamento que se iniciou com a viagem do presidente Obama ao Brasil há um ano. Hoje, entretanto, este relacionamento necessita de um impulso e de mais objetividade.

O encontro confirmado para abril pode ser produtivo, apesar do desconforto em relação ao infeliz cancelamento de um contrato das Forças Aéreas americanas com a Embraer e certa frustração americana em relação a alguns votos brasileiros na Organização das Nações Unidas (ONU). A agenda oficial deve refletir o peso de um "Brasil emerso" no cenário mundial, conforme destacado pelo vice-secretário de Estado William Burns durante sua visita recente ao Brasil. Também deve refletir o momento especialmente complicado que o mundo enfrenta. Estas são duas realidades relativamente novas às quais ambos países ainda estão se ajustando, por vezes de forma descoordenada.

Em um mundo hiperglobalizado e multipolarizado, enfrentamos inúmeros desafios. Enquanto a economia dos EUA mostra sinais consistentes de recuperação, seu progresso está em risco devido ao drama que permanece na Europa. Embora a economia do Brasil continue a crescer, ela também enfrenta desafios decorrentes do cenário global, incluindo a diminuição do ritmo econômico na China. Na verdade, este ano pode ser aquele em que os gregos espirraram e os chineses pausaram, deixando os EUA e o Brasil com gripe.

Há bastante nervosismo em ambos os países relativo à percepção de desindustrialização, assim como à força significativa da China. O número de casos de dumping abertos pelo Brasil e pelos EUA contra a China nos últimos anos é prova dessa questão. No último ano, o Brasil trabalhou duro na criação de políticas para aumentar sua força de trabalho e atrair investimentos de alta tecnologia, enquanto os EUA se esforçaram para voltar às raízes inovadoras que possibilitaram o surgimento de empresas de nível mundial como a GE e ícones como o Vale do Silício.

Politicamente, as Américas enfrentam uma época dinâmica, com os EUA e México em ciclos de eleições presidenciais, e a transição na Venezuela, uma realidade cada vez mais possível. Brasil e EUA partilham muitos interesses na África e, com o imposto americano sobre o etanol finalmente fora do caminho, podem formar parcerias efetivas em projetos de energia alternativa nesse continente. Globalmente, questões sobre Israel, Irã, Síria e a estabilidade geral no Oriente Médio pós-Primavera Árabe obscurecem as esperanças de paz mundial e prosperidade em 2012. Neste contexto, a liderança do Brasil nessas questões e sua voz nas Nações Unidas são cruciais.

Em resumo, o diálogo entre governos deve ser variado e rico, mas exige um compromisso consistente, ambicioso e de alto nível para que qualquer colaboração dê frutos. Há muito a oferecer um ao outro, especialmente em um ambiente de pragmatismo, a marca da presidente Dilma.

Entretanto, tanto simbolicamente quanto substantivamente, a importância das relações bilaterais de negócios não deve ser subestimada. Por mais que se fale sobre a invasão da China no Brasil, a relação econômica bilateral entre Estados Unidos e Brasil continua sendo peça-chave. É claro que se presta muita atenção quando o comércio bilateral triplica em uma década, como entre Brasil e China. Mas os EUA continuam sendo o maior investidor estrangeiro no Brasil, superando o investimento chinês numa razão de 13 para 1. Embora haja preocupações no Brasil sobre os déficits comerciais recentes com os EUA, isso se deve à maior integração entre nossas infraestruturas e economias. Um maior investimento transfronteiriço significa que os padrões de viagens, serviços, logística e cadeias de suprimento se entrosaram como nunca antes.

Empresas brasileiras apostaram na economia americana - em parte acreditando em seu futuro, e em parte procurando barganhas devido ao dólar fraco. Depois de um histórico de investimentos desprezível, em 2010, 1,2% do investimento direto externo (IDE) americano veio de empresas brasileiras, em indústrias importantes como siderurgia, construção, agricultura e bens de consumo. Em contraste, o IDE dos EUA da China e Índia combinados em 2010 ficou em apenas 1%, de acordo com as estatísticas da Casa Branca.

Cada vez mais, empresas brasileiras podem apontar para o valor e empregos que trazem para os EUA, assim como empresas americanas fizeram no Brasil durante décadas. Isso é positivo, e representa ganhos para ambos os lados. Além disso, há cada vez mais pequenas e médias empresas, de ambos os países, investindo no outro. Considerando o foco apropriado da política externa e econômica do Brasil em equilíbrio, essa dinâmica cria oportunidades especiais para um aprofundamento de nossas relações comerciais, que evoluíram mesmo na ausência de um Acordo de Livre Comércio.

Durante a visita da presidente Dilma a Washington, será realizado o Fórum de CEOs EUA/Brasil. Espera-se que esse grupo de prestígio consiga encorajar tanto os EUA quanto o Brasil a dedicar cada vez mais tempo, energia e criatividade para esse relacionamento bilateral de suma importância e relevância. Como mencionado pelos dois presidentes em março passado, os dois países enfrentam desafios paralelos. Embora competiremos em algumas áreas, deveríamos tentar colaborar um com o outro em todas elas. Isso é de interesse mútuo. Na medida que o Fórum cumpra sua agenda, talvez consiga construir essa história. Talvez consiga encorajar os governos a pensar em relações que vão além do caso do algodão, da China, de certos votos na ONU, e pensar em uma parceria real. Quem sabe talvez até mesmo na realização de um Acordo de Livre Comércio algum dia. Talvez.

Vamos lançar um desafio a nós mesmos de não trabalharmos apenas pelo provável, mas de sonhar com o possível em nosso relacionamento. O potencial é enorme.