Título: Reforço no combate à superbactéria
Autor: Filgueira, Ary; Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2010, Cidades, p. 33

Governo cria grupo para agilizar liberação de dinheiro e pessoal às unidades que precisam melhorar ações para evitar propagação do micro-organismo que já matou 18 pacientes no DF e infectou outros 111

Ao mesmo tempo em que a secretária de Saúde do Distrito Federal, Fabíola Nunes Aguiar, tenta acalmar a população afirmando que o risco de contaminação pela superbactéria em hospitais públicos é mínimo, ela anuncia a criação de um Grupo Central de Combate à Epidemia. A Klesiella pneumoniae carbapenemase (KPC) já matou 18 pessoas e infectou, pelo menos, outros 111 pacientes internados em unidades da capital do país, desde janeiro.

O Grupo Central coordenará as ações das comissões internas de controle de infecção já existentes em todos os hospitais públicos. O comitê destinará mais recursos ¿ financeiros e humanos ¿ às unidades que necessitarem. Mas terá a função também de fiscalizar as ações de assepsias das unidades de terapia intensiva (UTIs).

Para isso, cada hospital da rede pública de saúde terá de enviar à secretaria um plano de controle de infecção. ¿Vamos passar de hospital em hospital oferecendo ajuda e fiscalizando, pois não é certo utilizar o mesmo objeto em vários pacientes¿, explicou a secretária de Saúde, Fabíola Aguiar. Ela disse que a criação do grupo ¿trata-se de uma estratégia mais agressiva¿ para conter a proliferação da bactéria. ¿Ela (a KPC) é uma coisa para se levar a sério. Porém, não é para ficar em pânico¿, afirmou.

A luta contra a disseminação da superbactéria tem sido constante nos hospitais do DF. A direção do Hospital Regional de Samambaia designou enfermeiros exclusivos para cuidar dos infectados. Mesmo assim, o medo do contágio é grande entre a população. O gráfico André Freire, 28 anos, está prestes a ser pai. A alegria só não é maior porque a mulher dele trabalha em um hospital da rede pública. ¿Já pedi a ela para tirar uma licença médica. Não quero que nada aconteça com a minha família¿, contou.

Cirurgias Mesmo diante do surto de contaminação pela superbactéria, a Secretaria de Saúde informou que os procedimentos cirúrgicos continuam sendo feitos nos hospitais públicos do DF. As medidas continuarão sendo reforçadas e pacientes com suspeitas da contaminação passaram a ser cuidados exclusivamente por um grupo reservado de profissionais.

A secretária também comentou sobre a divergência com os número da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o órgão do Governo Federal, de janeiro até agora, 163 pessoas foram infectadas com a nova bactéria. Além disso, 24 pacientes ainda estão sob suspeita de terem contraído a superbactéria. ¿Pode ser que, nesse passa e repassa de dados tenham (os hospitais) informado os números errados e deu essa diferença¿, acredita Fabíola Aguiar. ¿Quanto aos casos suspeitos, só vamos confirmar quando tiver o resultado do laboratório¿, conclui.

Crise A morte de 18 pessoas por infecção hospitalar detonou uma crise na saúde pública do DF. A secretária ameaçou pedir demissão do cargo na última sexta-feira. Chegou a se reunir com o governador Rogério Rosso com uma carta de demissão em mãos, mas acabou recuando e continua no cargo. Rosso argumentou que a medida só atrapalharia a busca por uma solução.

Primeira vez na capital » O primeiro caso de KPC no Brasil foi registrado em 2005, em Recife (PE). Em 2009, contaminou 27 pessoas em Londrina (PR). Em Brasília, o primeiro registro ocorreu em janeiro último. Mas não se sabe como a bactéria chegou à capital federal. A superbactéria pode ser transmitida por um simples aperto de mão. Mas o contágio mais comum é por meio de instrumentos hospitalares. Uma das formas de se evitar o contato é higienizar as mãos com álcool.

Faltam antibióticos

Para a médica infectologista Maria de Lourdes Worisch, a maior dificuldade no combate à bactéria Klesiella pneumoniae carbapenemase (KPC) é a falta de antibióticos existentes no mercado. Segundo ela, hoje, a indústria farmacêutica não produz medicamentos contra infecções em larga escala devido à velocidade com que as bactérias criam resistência. ¿A maior preocupação é que na última década caiu muito o lançamento de novos antibióticos, quase 50%. Os laboratórios lançam um produto e a bactéria já desenvolve um mecanismo de defesa. Todo o medicamento vai parar no estoque¿, explicou.

Apesar da KPC ser uma bactéria difícil de ser eliminada, a especialista ressaltou que não há motivos para pânico. ¿Essa bactéria sempre existiu, não é nova. A diferença é que agora nós estamos procurando mais porque os laboratórios de microbiologia tanto da rede pública quanto da rede privada estão mais bem aparelhados. O DF tem experiências de controles de infecções muito bem sucedidas e agora não será diferente. Pânico agora não contribui em nada¿, frisou a médica.

A infectologista destacou os cuidados que os profissionais da área de saúde e visitantes devem ter no ambiente de trabalho. ¿O visitante deve higienizar as mãos com álcool antes e depois de ter contato com o paciente. Ele também deve evitar tocar em objetos e nunca andar de um leito para o outro. Já entre os profissionais, o resultado será mais efetivo do ponto de vista da prevenção entre aqueles mais organizados. Quem tiver álcool, luva, máscara e outros insumos em maior quantidade, estará mais preparado¿, comentou. Ela destacou que falta mobilização. ¿Às vezes, os profissionais têm tudo isso (o material necessário), mas as pessoas não fazem a adesão. Por isso, a organização é fundamental.¿

A preocupação com a limpeza dos locais é outra questão importante para evitar que a bactéria KPC se espalhe na unidade acometida, já que o tratamento é difícil, em decorrência de sua alta resistência a antibióticos.

Gestão Para a secretária de saúde do DF, Fabíola Nunes, o modelo de gestão da saúde no Distrito Federal é errado, mas lamentou o pouco tempo que ainda tem à frente da pasta para promover mudanças radicais. ¿O problema de qualquer doença no DF é centrado nas emergências, quando o paciente está numa fase tardia. O que deveria haver é uma prevenção para que quem tem alguma propensão à doença nem chegue aos hospitais. É preciso reforçar a parte da prevenção, da atenção básica e evitar que mais doentes cheguem às emergências. Pena que não tenho tempo de promover todas essas mudanças¿, ressaltou a secretária, referindo-se ao fim do governo de Rogério Rosso, em dezembro.

A chefe da pasta da saúde deu exemplos de como, na sua visão, seria o modelo ideal de saúde. ¿Nós hoje tratamos o cardíaco na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas o correto seria cadastrar todos os hipertensos, orientá-los a fazer uma dieta, estimular que visitem o médico periodicamente. A mesma coisa deveria ser feita com os diabéticos e com todos os outros doentes. Isso sim iria melhorar consideravelmente a saúde da população do DF.¿

A KPC no DF

Dados atualizados sobre casos suspeitos/prováveis/confirmados de enterobactérias produtoras de carbapenemase identificadas no DF de janeiro até 1º de outubro deste ano

Hospital Regional de Santa Maria 58 colonizados/infectados, com 4 mortes diretamente relacionadas

Hospital Regional do Paranoá 1 caso de infecção. Paciente em tratamento

Hospital Alvorada 2 casos colonizados e 1 morte não relacionada à bactéria

Hospital JK 9 casos colonizados/infectados e 1 morte

Hospital Regional de Taguatinga 5 casos, com 3 mortes relacionadas

Hospital Regional do Gama 6 casos, com 1 morte relacionada

Hospital Universitário de Brasília 4 casos confirmados, 3 suspeitos e 3 mortes

Hospital São Lucas 3 casos prováveis e 1 morte

Hospital de Base do Distrito Federal 16 casos prováveis e 4 mortes

Hospital das Clínicas de Brasília 4 colonizados

Fonte: Secretaria de Saúde do DF