Título: Lula apóia Constituinte para reforma política
Autor: Lyra, Paulo de Tarso e Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2006, Política, p. A8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê com simpatia a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva, por meio de uma emenda constitucional, para votar a reforma política depois das eleições de outubro. A idéia lhe foi apresentada ontem por um grupo de juristas, durante reunião no Palácio do Planalto.

A convocação da Constituinte não deverá ser feita pelo governo, disse Lula, "mas sim por iniciativa da sociedade". O governo trabalhará como "indutor" da nova Constituinte, que seria instalada para discutir mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro. "Tenho dúvidas de que o Congresso aprove uma reforma política que contemple os interesses da sociedade", disse ontem, em em uma entrevista de dez minutos concedida ao vivo ao telejornal "SBT Brasil", no Palácio da Alvorada.

De acordo com o ministro da Coordenação Política, Tarso Genro, a constituinte funcionaria em paralelo com o Congresso normal, eleito em outubro, mas sem "as preocupações legislativas ordinárias". Os deputados responsáveis pela elaboração dos trabalhos serão eleitos para a função.

O candidato tucano à Presidência da República, Geraldo Alckmin, considerou "sem pé nem cabeça" a proposta do governo de convocar uma Constituinte com a função exclusiva de discutir uma reforma política para o país. "Não vejo nem pé nem cabeça nisso. Imagina, convocar de novo uma Constituinte no Brasil, mudar a Carta Magna... Precisamos ter estabilidade nas regras, preservar a Constituição", afirmou. O tucano disse que é "totalmente contra" a idéia e afirmou que, se for eleito, vai lutar principalmente pela aprovação da fidelidade partidária. "Temos que nos concentrar em dois ou três itens e votar", disse.

Um dos participantes do encontro, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Reginaldo de Castro, afirmou que a idéia é uma proposta da Ordem desde 1986, mas que acabou derrotada. "Costumamos acertar ao longo do tempo. O Conselho Nacional de Justiça também era uma reivindicação desde 1986 que só saiu do papel agora", afirmou.

Castro reconheceu que haverá resistências à proposta, o que torna mais difícil a sua concretização. Mas concorda que uma reforma política completa só será possível se os seus autores não forem políticos tradicionais. "O formato de como seria essa assembléia não foi debatido, mas poderia incluir também representantes da sociedade civil, como a OAB e a ABI, por exemplo. Os políticos não têm nenhum interesse em alterar a lei eleitoral", disse. Participaram da reunião os juristas Américo Lacombe, Eduardo Carrion, Eduardo Seabra Fagundes, Marcelo Lavenère Machado e Roberto Caldas.

O líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), garantiu que o Congresso jamais concordará com a idéia de criar uma Assembléia Constituinte exclusiva para tratar da reforma política. "Não discutiremos nada sobre isso antes de outubro. Qualquer Assembléia Constituinte eleita sobre a égide do governo Lula faria com o que país caminhasse na direção do que hoje é a Venezuela", afirmou.

O líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), considerou o debate um mero factóide e disse que falta ao governo vontade para fazer a reforma política. "Não precisa eleger um novo Congresso para isso. Basta a Câmara votar as mudanças eleitorais que já foram aprovadas pelo Senado. É simples. Se começarmos do zero, aí é que jamais sairá uma reforma política de fato", resumiu. Ele concorda, no entanto, que este é o momento de se fazer uma reforma política de fato. "Não é uma prioridade do próximo governo. Esta é uma exigência do país", acentuou ele.

Na reunião do governo com os juristas foram também analisadas as idéias propostas pelo grupo, a pedido do presidente Lula, para regulamentar o trabalho das Comissões Parlamentares de Inquérito, razão inicial do contato com esses advogados. O grupo elaborou um documento em que concluiu ser "inadmissível que as comissões parlamentares de inquérito se transformem em instrumento de abusos e devassas contra particulares, atentando contra direitos constitucionais". "No Brasil, como o Judiciário não funciona, querem julgar e condenar as pessoas em ambiente público", protestou o ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro.

O ministro Tarso Genro admitiu que a consulta feita pelo governo decorreu dos abusos da CPI dos Bingos. O jurista Eduardo Seabra Fagundes, ex-presidente da OAB, minimizou o impacto negativo da intervenção nesta questão, afirmando que alterações nas CPIs são discutidas há muito tempo na Ordem. "Mas sempre debatemos as dificuldades para o exercício do trabalho dos advogados", declarou Fagundes. Reginaldo de Castro também opôs-se aos instrumentos constitucionais da CPI, como a possibilidade de quebra de sigilos bancários e telefônicos dos suspeitos de irregularidades.

Candidato à reeleição, Lula negou ser favorável à limitação dos trabalhos das CPIs, mas criticou as comissões que não se "atentam aos fatos" propostos na abertura da comissão. "As comissões têm de funcionar com liberdade, mas não podem ser uma 'salada de frutas'", declarou. Lula criticou a atuação de parlamentares nas comissões de inquérito que, "em vez de investigar, querem aparecer" e usam as CPIs como forma de fazer propaganda pessoal. "Isso complica a seriedade da apuração", disse.

A oposição reagiu à tentativa de regulamentar os trabalhos das CPIs, para controlá-las, mas Geraldo Alckmin foi cauteloso: "A CPI é um instrumento poderoso e importante, não deve ser objeto de luta política. O governo precisa mudar não a investigação, mas a forma de governar."

Na entrevista concedida ontem, o presidente defendeu a permanência dos parlamentares citados nas denúncias de corrupção do mensalão e da máfia das sanguessugas, investigadas por CPIs, até o fim das apurações. "Não podemos fazer um julgamento precipitado. "Temos que dar o direito de defesa". Presidente de honra do PT, Lula disse ter sugerido ao presidente da legenda, deputado Ricardo Berzoini (SP), que expulse somente quando for provado o envolvimento com corrupção.

Lula não quis responder uma pergunta sobre uma eventual aproximação ao P-SOL no segundo turno. Sem citar nomes, o presidente alfinetou seus opositores ao dizer que alguns estão "mais nervosos", "raivosos" e alguns estão dizendo "coisas insensatas". O presidente disse que não pretende fugir ao debate -"adoro ser provocado em debate"- mas justificou sua ausência devido às regras impostas pelos organizadores dos debates e por ter de "preservar a instituição da Presidência".

Depois de citar realizações de seu governo, Lula defendeu três eixos para um eventual segundo mandato: desenvolvimento, distribuição de renda e investimento em educação. Sua maior frustração foi em relação ao Fundeb, que não foi aprovado. "Deixamos de gastar em educação R$ 1,5 bilhão". A economia, segundo Lula, deverá voltar a crescer e só não cresceu mais em seu governo porque o país "teve de recuperar as décadas perdidas, os 20 anos". (Colaborou Raquel Ulhôa)