Título: Governo tem mecanismos para cumprir superávit fiscal
Autor: Lamucci,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2012, Brasil, p. A7

O pacote anunciado ontem para estimular a indústria não terá impacto relevante para o resultado das contas públicas, segundo especialistas em política fiscal. A capacidade do governo em arrumar receitas extraordinárias - como dividendos empresas e bancos estatais - e de empurrar despesas de um ano para o outro dá flexibilidade para que a meta de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) possa ser cumprida, mesmo com os novos gastos e desonerações tributárias - cujos valores ainda não estavam claros para os economistas.

O que se questiona é a qualidade e as prioridades da política fiscal, caso de mais um elevado aporte ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), feito por meio da emissão de títulos públicos, que aumenta a dívida bruta. O endividamento líquido não é afetada porque o repasse ao banco é um crédito do Tesouro.

O economista Mansueto Almeida diz que o cumprimento da meta de 3,1% do PIB não é fácil, mas ressalta que o governo tem mecanismos para fazer o controle das contas públicas na boca do caixa, o que torna viável um superávit primário (a diferença entre receitas e despesas, excluindo gastos com juros) dessa magnitude. Ele observa que, em fevereiro deste ano, a União conseguiu receitas de R$ 5 bilhões com o recebimento de dividendos, valor que inflou a arrecadação do governo e permitiu que se registrasse um superávit de R$ 5,4 bilhões no mês.

Nesse cenário, não são as renúncias fiscais divulgadas ontem que vão colocar em risco o cumprimento da meta, diz Almeida, lembrando que o governo também tem outra opção para isso - segurar parte das despesas neste ano, deixando para serem quitadas no que vem, inscrevendo-as como restos a pagar - referente a gastos de exercícios fiscais anteriores.

O economista-chefe da corretora Convenção Tullett Prebon, Fernando Montero, também acha que o tamanho do pacote não é significativo a ponto de colocar em risco o resultado das contas públicas. Ele trabalha hoje com um superávit primário de 2,5% do PIB, mas não duvida que os 3,1% do PIB sejam atingidos, dada a capacidade de o governo levantar receitas extraordinárias ou adiar receitas. Ele cita os dividendos que podem ser recebidos de empresas e bancos estatais e também lembra que há vultosas pendências judiciais de companhias com o Fisco, como é o caso da Vale.

Para ele, porém, mesmo se a meta for cumprida, a política fiscal será expansionista neste ano. Primeiro, porque as despesas vão crescer a um ritmo mais forte do ano que vem, dado o impacto do salário mínimo sobre as despesas da Previdência e de outros programas sociais e pela expectativa de aceleração do investimento da União. Além disso, receitas extraordinárias, como dividendos, não têm o impacto sobre a demanda que o de um aumento da arrecadação por impostos que retiram renda disponível de empresas e consumidores.

O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, tem visão semelhante à de Almeida e Montero. Ele projeta um superávit primário de 2,6% do PIB neste ano, "com viés de alta", dada a facilidade do governo em arrumar receitas. Para ele, a arrecadação do governo federal com dividendos, que foi de R$ 20 bilhões em 2011, pode atingir R$ 25,5 bilhões neste ano. Ontem, ele trabalhava com um custo de R$ 8,2 bilhões para o pacote. "Eu estimava que as medidas podiam chegar a R$ 13 bilhões. Como ficaram quase R$ 5 bilhões abaixo disso, isso aumenta a probabilidade de que a meta de 3,1% do PIB seja cumprida", diz Salto, observando, contudo, que o impacto tende a ser expansionista, dado o aumento de gastos e a contribuição expressiva de receitas extraordinárias.

Salto não vê com bons olhos o novo aporte ao BNDES, de mais R$ 45 bilhões. Desde 2009, o Tesouro já emprestou cerca de R$ 280 bilhões para o BNDES, diz ele. É um valor que equivale a aproximadamente 6,3% do Produto Interno Bruto (PIB), um montante muito expressivo, feito por mais endividamento do Tesouro.