Título: Dividida e fraca, oposição duvida ainda de eleição justa na Venezuela
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2006, Internacional, p. A11

Desde sua vitória no referendo de agosto de 2004, quando escapou de ser expelido da Presidência, Hugo Chávez exerceu o poder livre de impedimentos na Venezuela. A oposição dividida e sem líder vagueou no ostracismo. Assim, Chávez, eleito pela primeira vez em 1998 e que está nadando em petrodólares, não deve ter nenhuma dificuldade para obter mais seis anos no cargo nas eleições de dezembro. Mas será que as eleições serão livres e justas? As dúvidas da oposição a esse respeito a colocam num incômodo dilema.

Chávez alega estar liderando uma revolução nacionalista de esquerda e uma "democracia participativa". Na prática, seu governo é autoritário de muitas formas. Assim, para ele é importante mostrar que goza de apoio popular. Em janeiro, no ano eleitoral, pediu 10 milhões de votos, quatro milhões a mais do que recebeu no referendo.

Parece ser um pedido pretensioso, mas ninguém espera que Chávez perca. As pesquisas indicam que ele tem cerca de 55% das intenções de voto. Esta popularidade se deve em parte à enorme receita inesperada vinda dos elevados preços do petróleo, que está em parte custeando programas sociais e de trabalho temporário dirigidos aos pobres. Mas Chávez se beneficia ainda da sua capacidade de se comunicar com os eleitores e do baixo valor que estes atribuem à maioria dos líderes da oposição, identificados com partidos políticos desacreditados do passado.

A oposição argumentou, sem exibir provas, que a vitória de Chávez no referendo foi fraudulenta. Em dezembro, os partidos se retiraram da eleição legislativa na última hora, alegando desconfiança no Conselho Eleitoral Nacional. O resultado foi que a Assembléia Nacional agora não tem um único deputado da oposição. A Assembléia recentemente escolheu uma comissão de cinco membros para o conselho eleitoral, que tem uma maioria de quatro para um favorável a Chávez. Ao agir assim, a Assembléia ignorou pedidos de, entre outros, da União Européia, que pedia um conselho independente.

O novo conselho se recusou a abandonar o uso de máquinas de impressão digital para verificar a identidade dos eleitores que, segundo a oposição, violam o segredo do voto. Ele também se recusa a contar cédulas eleitorais de papel como uma forma de controlar as polêmicas máquinas de voto. O conselho rejeitou uma proposta de um grupo de universidades independentes, de auditar o cadastro eleitoral, que cresceu em 2 milhões de nomes nos últimos dois anos. A oposição suspeita que a lista esteja repleta de eleitores falsos.

Portanto, a primeira decisão que a oposição enfrenta é se participará das eleições. Uma minoria barulhenta defende um boicote, em parte por temer que muitos eleitores da oposição de qualquer forma evitarão algo que encaram como uma farsa. Mesmo políticos da oposição que querem participar alertaram o conselho eleitoral, dizendo que se ele não levar em consideração as suas exigências de praticar jogo limpo, o presidente será deixado para concorrer contra si mesmo. Em resposta, Chávez ameaçou realizar um referendo simultâneo para remover o limite constitucional de dois mandatos presidenciais consecutivos.

Henry Ramos, o líder da Ação Democrática, partido antes dominante, que encabeça a campanha pela abstenção, compara a dezena ou mais de pseudo-candidatos da oposição a "bêbados lutando por uma garrafa vazia". A maioria é composta de peixes pequenos, porém três têm algum conteúdo: Manuel Rosales, governador do populoso Estado de Zulia; Julio Borges, líder do novo partido Justiça Primeiro, de centro-direita; e Teodoro Petkoff, líder da guerrilha nos anos 60, depois ministro do Planejamento e hoje editor de jornal.

Os três concordam que a única esperança da oposição é se unir em torno de um único candidato. Eles discordam, porém, sobre quem deve ser escolhida. Em 13 de agosto, a maioria dos pretendentes participará de uma primária organizada pela Súmate, principal grupo de pressão da oposição.

Petkoff, porém, não está participando. Ele se opõe às rígidas condições da Súmate, que incluem uma promessa de se retirar das eleições sob certas circunstâncias. Os líderes da Súmate já estão sendo processados pelo governo por receberem dinheiro do Congresso dos EUA. Os deputados partidários de Chávez estão exigindo sua prisão, dizendo que estão usurpando o papel do conselho eleitoral ao organizarem a primária. Agora, a Súmate também está sendo criticada por parte da oposição, por ter assumido um papel que caberia aos partidos políticos - se ao menos eles fossem mais fortes.

Enquanto a oposição discute, as pesquisas indicam que os venezuelanos desejam mudança. Apesar da popularidade pessoal de Chávez, seu governo é considerado incompetente e corrupto por quase 75%. Uma pesquisa conduzida pela Hinterlaces apurou que as alternativas "alguém novo" (17%) e "nenhuma das anteriores" (10%) vieram em segundo e terceiro lugar na lista de preferência dos eleitores, bem à frente de Rosales (7%), Borges (5%) e Petkoff (4%).

Se é certo que Chávez vencerá, por que ele não garante uma eleição livre e justa? Porque uma eleição assim poderia ser bem acirrada se o comparecimento fosse baixo, diz o pesquisador Alfredo Keller. Ele detecta uma apatia crescen-te entre os eleitores de Chávez. Isso explica por que o presidente ficaria satisfeito com uma disputa boicotada pela maioria da oposição. De qualquer forma, ele afirma que seu real oponente é George Bush.