Título: Fed tende para o ataque gradual contra inflação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2006, Opinião, p. A12

Decifrar o fôlego inflacionário na economia americana e até onde o Fed estará disposto a levar as taxas de juros para contê-lo tira o sossego dos mercados financeiros. Aos números que indicam desaceleração econômica sucedem-se outros que sugerem o contrário. A euforia provocada pelo depoimento semestral do presidente do Fed, Ben Bernanke, ao Congresso, em 19 de julho, vai se esvaecendo aos poucos, à medida que também crescem as apostas de que mais uma elevação de 0,25 ponto percentual, para 5,5%, será decidida pelo Fed na reunião de 8 de agosto. Se elas estiverem certas, a ansiedade dos mercados aumentará, mas sem grandes motivos para alarme.

Por quaisquer dos parâmetros adotados para medir o pulso da inflação, ela já ultrapassou as fronteiras de conforto do Fed. Os preços ao consumidor subiram 4,3% em 12 meses. O núcleo da inflação pelos gastos pessoais de consumo, a medida mais considerada pelo Fed, chegou a 2,4% anualizado. Diante disso, subiram as pressões para que o BC americano subisse o tom de seu discurso anti-inflacionário e deixasse de parecer moderado ou leniente. Em seu discurso, Bernanke equilibrou-se entre "falcões" e "pombas" da política monetária, mas acenou que preferirá uma atitude acomodatícia e prudente diante da alta de preços. Sua força e duração nunca são fáceis de prever, porque o ritmo em que as elevações dos juros afetam os setores da economia são distintos. Além disso, na própria origem da inflação, há dois focos relacionados a observar: até que ponto o alto custo do petróleo extravasa para reajuste de preços em outros setores e em que medida o nível de atividades doméstico é uma fonte autônoma de pressão sobre os preços.

Sob a base de altos custos da energia, a economia americana mostrou-se bastante aquecida no primeiro trimestre, quando cresceu 5,6%. O aperto do Fed cortou essa velocidade para 2,5% no segundo trimestre, em linha com a sua previsão de um avanço de 3,25% a 3,5% do PIB no ano. Para isso contribuiu o esvaziamento gradativo da bolha de imóveis. Em junho, havia 3,8 milhões de imóveis não vendidos, ou estoque suficiente para 6,8 meses de oferta, o maior nível desde julho de 1997. Os juros tiraram um pouco da pressão do mercado de trabalho, logo dos salários, que estavam em alta, embora atrás dos preços (3,9% de elevação, anualizados). O desemprego se reduziu a 4,6% em junho - o menor em cinco anos - , mas novas quedas serão muito mais lentas. Os gastos de consumo, que representam 80% do total, declinaram.

Diante das pressões de custo estimuladas por uma economia mundial em ótima fase, as margens de lucro das empresas americanas começaram a cair. Houve um movimento de repasse até certo ponto bem-sucedido - os preços no atacado subiram 4,9% - , porém o ritmo mais moderado de crescimento dos EUA cortará caminho a essa tendência. Uma pesquisa mostrou que 27% das empresas industriais conseguiram elevar preços no segundo trimestre, ante dois terços que apontaram altas em seus custos. O torniquete aplicado pelo Fed tem refreado gradativamente a economia, mas persiste a dúvida de se os juros já subiram o suficiente ou é preciso mais aperto.

Há setores que estão aquecidos e puxando a economia, enquanto o consumo encontra um passo moderado (gastos cresceram 2,5% no segundo trimestre). As exportações americanas vão de vento em popa e cresceram 10% no primeiro semestre, estimuladas por uma queda de 14% do dólar desde seu pico de 2002, aponta a revista "BusinessWeek". As empresas estão investindo muito dentro e fora dos EUA e nos últimos três anos, exportações e importações americanas, somados, avançaram 45%. A produção de bens de capital cresceu 5,9% em relação ao mesmo período de 2005.

O Fed espera que a inflação, medida pelos gastos pessoais de consumo, fique acima de 2,25% nos próximos 18 meses, mas em queda, como mostrou Bernanke em seu depoimento no Congresso. Isso pode significar que o Fed vai calibrar os juros para alcançar a zona dos 2% em um intervalo longo de tempo, e não usará várias altas adicionais para obter resultados logo. Bernanke parece indicar que a redução do crescimento para 3,5% em 2006 é compatível com o esvaziamento das pressões inflacionárias. A abordagem de esperar para ver como evoluem os indicadores é sensata e evita danos colaterais da elevação forte dos juros para o crescimento e o emprego. Os mercados estão intranqüilos, mas o Fed não, o que pode ser um bom sinal.