Título: Uma condição para Otan no Líbano
Autor: Bertram, Christoph
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2006, Opinião, p. A13

A discussão atual em torno de uma força internacional para o sul do Líbano se concentrou quase exclusivamente em quais países e organizações - Otan, a União Européia, as Nações Unidas - fornecerão as tropas. É um assunto importante, certamente, mas a questão real diz respeito às mudanças que Israel deverá assumir em troca do estacionamento dessa força e pressupondo o risco de uma missão desta natureza.

Simplesmente nenhuma força internacional protegerá Israel dos foguetes do Hezbollah enquanto Israel mantiver a sua estratégia atual. Afinal, a recente escalada militar na região é ao menos parcialmente decorrente desta estratégia. Se uma força internacional simplesmente permitir que Ehud Olmert promova ainda mais os seus planos, os países que fornecem tropas à força internacional não só serão vistos como quem endossa sem questionar a política israelense, como também serão arrastados para dentro do seu fracasso.

Criticar a política de Israel, taxando-a de falha, não significa perdoar os atos do Hamas ou do Hezbollah ou negar o direito de Israel à autodefesa. É meramente o caso de enfatizar o que deveria ser óbvio: as tentativas de Israel de encontrar uma solução unilateral para os seus problemas de segurança - sejam eles ocupação, retirada, ou separação - fracassaram.

A ocupação unilateral sem comprometimento com um Estado palestino viável só produziu a Intifada e os homens-bomba. A retirada unilateral de Gaza sem o prévio estabelecimento de uma autoridade local para manter a ordem só levou à intervenção renovada. E a "cerca de segurança", que deveria permitir a separação unilateral, pode deter homens-bomba, mas não os modernos mísseis do tipo atualmente empregado pelo Hezbollah.

Até agora, a única lição que Israel parece ter aprendido das suas estratégias fracassadas é que o país precisa prolongar e intensificar o uso de força unilateral: reinvadir Gaza, destruir o Líbano, ameaçar a Síria e, implicitamente, o Irã, que, segundo insinua o governo israelense, teve participação na orquestração da crise atual.

Não é preciso ser muito perspicaz, porém, para prever que mais força não produzirá mais segurança para Israel. A política, resquício dos estratagemas terroristas, de bombardear civis para torcer o braço dos seus líderes, só fortalecerá os radicais e aumentará o seu apoio popular. Ela não ocultará o fato de que Israel ficou sem opções unilaterais.

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Israel até agora não esteve disposta a aceitar esse fato. Pelo contrário, seus líderes esperam que uma robusta força internacional no sul do Líbano ofereça proteção ao norte de Israel, deixando o país com uma mão livre para tratar unilateralmente de Gaza e da Cisjordânia, ao mesmo tempo comprometendo a comunidade internacional com o fracassado unilateralismo de Israel.

Reunir uma força internacional sob estas condições seria irresponsável. Os países que contribuírem com tropas pareceriam estar tomando inequivocamente o partido de Israel, perdendo, assim, toda a credibilidade perante os adversários de Israel. Eles também arriscariam ser arrastados para as renovadas operações de Israel contra o Hezbollah e seus apoiadores. Mais importante, eles estariam renunciando ao que poderá ser a última oportunidade para promover uma paz consensual.

Portanto, a condição anterior para estabelecer e reunir uma força internacional para o sul do Líbano deve ser que Israel renove o seu comprometimento com o "mapa da paz" e inicie negociações com os palestinos para um Estado palestino viável. Com esse propósito em mente, o país deve iniciar negociações com representantes palestinos democraticamente eleitos. Certamente, tais conversações serão árduas e poderão nem ter êxito. Mas não pode mais haver qualquer argumento contra a diplomacia, agora que o unilateralismo israelense demonstrou estar mais uma vez numa estratégia sem saída.

Apenas um Estado de Israel seriamente empenhado em obter segurança por meio de acordo, não um país que queira impor sua segurança sobre sua vizinhança por decreto, poderá se tornar parceiro de um esforço internacional para levar estabilidade ao Líbano e além. É claro, alguns países, especialmente os EUA, serão contrários a que tal guinada na política de Israel se transforme numa condição para se criar uma força internacional. Além disso, o consenso sobre essa força internacional na Otan, União Européia ou na ONU poderá não ser obtido ou, caso seja, Israel poderá simplesmente se recusar a submeter-se a ele.

As duas situações seriam motivo suficiente para ficar completamente de fora do projeto. Criar uma força internacional para o sul do Líbano só fará sentido como um investimento na paz regional, não como um apêndice à atual estratégia de Israel.