Título: Museus entre a salvação e a crise
Autor: Faleiros, Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2006, EU & Fim de Semana, p. 20

Poucos períodos, como este ano de 2006, poderiam dar sinais mais contraditórios sobre o futuro dos museus nacionais. O Ministério da Cultura declarou ser este o Ano Nacional dos Museus e diversos eventos surgiram para debater a política voltada a essas instituições culturais. Neste mês ocorre o mais importante de todos encontros, o Fórum Nacional de Museus, quando se reunirão, durante uma semana, na cidade de Ouro Preto (MG), os maiores especialistas brasileiros em museologia.

Por outro lado, vale perguntar se este também não seria o Ano Nacional da "Crise" dos Museus, uma vez que fatos expressivos revelaram a situação periclitante em que estão algumas instituições no país. Basta lembrar quão simbólicos foram o corte de luz por falta de pagamento no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o roubo de obras valiosas no Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro.

Nesse campo de tendências indefinidas, o que está claro é que a gestão dos museus se encontra, mais que nunca, no centro dos debates. Nos três últimos anos, o governo federal passou a implementar a Política Nacional de Museus, uma forma de difundir boas práticas de administração nas instituições pelo país afora. Estima-se que existam no Brasil cerca de 2 mil museus. Eles possuem enorme diversidade, seus acervos variam entre os milionários a pequenas coleções caseiras.

Para atingir esse amplo universo de museus, o Ministério da Cultura optou por uma estratégia de distribuir pequenas quantias de dinheiro a mais instituições do que garantir grandes montantes aos centros tradicionais. A decisão não é consenso entre especialistas, mas o diretor de Departamento de Museus (Demu) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), José do Nascimento Júnior, defende-a com o argumento de que dessa forma é possível revitalizar mais instituições. "Muitas vezes, R$ 10 mil fazem uma revolução no interior", resume.

A pulverização dos recursos foi acompanhada por um aumento dos investimentos federais em museus. Eles passaram de R$ 25,8 milhões em 2002 para R$ 95,2 milhões em 2005. Isso ocorreu graças a grandes estatais, como Petrobras, Caixa Econômica Federal e BNDES. Os museus gerenciados pelo Iphan, 41 no país, foram priorizados. O Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, passou por uma revitalização, e o Museu da Inconfidência, que será reaberto, também foi renovado. "Queremos criar um padrão de qualidade que sirva de exemplo", afirma Nascimento.

A melhoria na administração terá ainda um importante capítulo político, pois o governo federal pretende enviar, ainda este ano, um projeto de lei para a criação de uma autarquia voltada à gestão de museus, o chamado Instituto Brasileiro de Museus. A idéia, explica o diretor do Demu, é que os centros culturais obtenham um status mais elevado na administração pública e que as políticas de incentivo possam ser perpetuadas independente de quem estiver à frente do governo federal.

A idéia agrada ao setor. A presidente do Conselho Federal de Museologia (Cofem), Telma Lasmar, afirma que é importante desvincular a gerência dos museus do Iphan. "Isso dará uma oxigenação à política pública de museus." A expectativa de que os centros de cultura obtenham luz própria também pode ser notada na formação de profissionais da área museológica. Até o momento, apenas Rio de Janeiro, Pará e Bahia possuíam cursos de graduação em museologia, mas a Universidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, acaba de abrir vagas nesse campo e outros centros de ensino, como a Universidade de São Paulo (USP), já estruturam cursos de pós-graduação

Maria Ignez Mantovani Franco, integrante do Conselho Internacional de Museus (Icom) e diretora da Expomus, empresa pioneira na consultoria a instituições culturais, concorda que há uma estruturação importante ocorrendo na área de museologia. "O aumento dos investimentos públicos está permitindo que preocupações mais técnicas venham à tona, como conservação e ampliação de acervos." No campo privado, diz, as tendências também são positivas. Atualmente, grandes empresas estão mais dispostas a doar recursos a museus e abrir seus próprios acervos à visitação,

Outro ponto que tem emergido de toda a discussão é a diversidade de objetivos existente entre os museus na sociedade. O Ministério da Cultura iniciou um cadastro de museus para identificar o número de instituições pelo país, algo que para muitos pode não passar de um mapeamento sem maiores implicações. Talvez seja mais importante dar um aspecto democrático à política pública, incentivar que o público busque conhecer a multiplicidade de centros culturais, opina a coordenadora de Avaliação e Estudos de Público do Museu da Vida da Fiocruz, Denise Studart. Ela cita o recém-fundado Museu da Favela da Maré como exemplo da diversidade museológica a ser explorada. O Museu da Maré reproduz uma casa e seus cômodos nos primórdios da ocupação dos morros no Rio de Janeiro.

A discussão sobre o papel que deve ser exercido por um museu tem sido intensa quando se trata do novo Museu de Brasília, monumento que estava nos planos originais de Oscar Niemeyer, mas que só agora está sendo construído. Localizado ao lado da catedral, o novo museu formará com a Biblioteca Nacional o complexo cultural da Esplanada dos Ministérios. Por estar sendo inaugurado sem um acervo permanente, a obra recebeu críticas e foi rodeada de especulações sobre as intenções políticas do governo local. O secretário de Cultura do Distrito Federal, Pedro Bório, diz que o museu terá um papel de vanguarda nos conceitos de acervo e defesa do patrimônio histórico. Ele menciona a possibilidade de se recorrer a acervos de repartições públicas e autarquias. O Itamaraty e o Banco Central, lembra Bório, seriam fontes para exposições.

Se este é o ano da salvação ou da crise dos museus, ainda é difícil de responder. Segurança, maior participação de Estados e municípios, além do financiamento privado estão na lista dos maiores desafios. A informação pode ser o caminho para a solução de muitas dessas questões. Maria Ignez lembra que a segurança poderia ser melhorada com a digitalização dos acervos, que permitiria a busca de bens furtados. Nascimento vê a conexão entre museus por meio de redes de informação como forma de fortalecer os acervos de pequenas instituições. Os especialistas concordam num ponto: os museus entraram no olho do furacão da política cultural.