Título: Como ficará a concorrência no setor aeroportuário?
Autor: Prates,Cleveland Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2012, Opinião, p. A12

Nos últimos dias, o Brasil tem assistido perplexo ao debate sobre o resultado das concessões de três grandes aeroportos nacionais. Muito se tem falado sobre o ágio pago pelos três consórcios vencedores e suas respectivas capacidades financeiras e administrativas. É fato que qualquer analista financeiro minimamente atento se preocuparia com a taxa de retorno que pode ser gerado ao longo do período de concessões.

Somados os valores pagos pelas concessões aos investimentos exigidos no edital, e comparado com as receitas líquidas hoje obtidas pelos três aeroportos, haveria três formas desta conta fechar. A primeira, por meio do aumento das receitas, que (1) implicaria uma elevação absurda, mas pouco crível da demanda futura nestes três centros; ou (2) pela elevação dos preços (ou tarifas aeroportuárias). A segunda hipótese implicaria um ganho de eficiência substancial com respectiva redução de custos, fato também questionável, dado que não se espera grandes saltos tecnológicos neste segmento. Interessante perceber também que, neste caso, a margem de manobra pode não ser tão grande, dado o discurso oficial de que nenhum funcionário será demitido. Já a terceira hipótese seria uma combinação entre as duas, com a possibilidade, inclusive, de se revisar os investimentos definidos no edital de licitação. De toda forma, só o tempo dirá para onde caminharemos.

Em que pese comungar das mesmas preocupações sobre o equilíbrio financeiro das concessionárias vencedoras, entendo que limitar a análise a este ponto é perder de vista o maior problema derivado do modelo adotado.

Ter a Infraero como sócia em todas as concessões prejudica a governança e reduz a competição

Sob o ponto de vista do interesse público, importa à sociedade ter a maior oferta de serviços aeroportuários possível com o máximo de qualidade. Ademais, o estímulo à concorrência, onde factível, também é salutar. Neste aspecto, é possível imaginar que diferentes empresas, vencedoras de concessões em diferentes aeroportos em uma mesma cidade, possam concorrer entre si de forma a reduzir taxas relacionadas a pouso, decolagem e permanência de aeronave (pressupondo que a taxa de embarque será fixada uniformemente pelo governo).

De maneira similar, diferentes aeroportos em diferentes cidades poderiam concorrer como ponto de pouso e decolagem para voos internacionais ou mesmo nacionais. Estas cidades podem tornar-se pontos concorrentes de redistribuição de passageiros dentro do país. Nos EUA isso é facilmente observado por aeroportos denominadas hubs, como O"Hare em Chicago ou Hartsfield-Jackson em Atlanta. Ressalte-se que o resultado natural deste processo de concorrência será a ampliação da oferta de infraestrutura aeroportuária, com melhor qualidade dos serviços prestados e menores custos para as empresas aéreas, que, em um ambiente também de concorrência, repassarão esses ganhos aos consumidores.

É exatamente sobre este aspecto que entendo haver um vício de origem no modelo definido pelo governo. Incluir a Infraero como sócia em todas as concessões é gerar desnecessariamente um problema de governança e reduzir os incentivos à concorrência entre as vencedoras das concessões.

Assumindo inicialmente, por hipótese, que ao menos uma das empresas concessionárias seja eficiente, e sustentável economicamente, esta, em tese, poderia reduzir seus preços de forma a atrair novas empresas para seu aeroporto. Entretanto, o fato da Infraero ter participação ou ser controladora de potenciais concorrentes criará um ambiente empresarial interno nesta concessionária que dificultará o início do processo competitivo no mercado, uma vez que a concorrência implicaria na redução de receita nos demais aeroportos. Ademais, há que se lembrar que ela (a Infraero) permanecerá como principal responsável pelo gerenciamento de vários aeroportos que são "naturalmente" deficitários hoje, principalmente pela ausência de escala suficiente.

Em última instância, o que interessa à Infraero é a maximização conjunta do lucro de todos os aeroportos, para fazer frente aos investimentos totais necessários ao sistema aeroportuário como um todo. Já ao controlador da concessionária eficiente importa apenas o lucro de seu aeroporto, o que o induziria a aumentar investimentos e oferecer uma quantidade maior de serviços a preços mais reduzidos, como o objetivo de obter fatias de mercado de seus possíveis concorrentes. Neste ambiente, fica claro que o aparecimento de potenciais fricções entre os sócios será apenas uma questão de tempo.

Em um segundo cenário mais grave (ausência de equilíbrio econômico e financeiro das três concessões), a Infraero poderá ser uma facilitadora de acordo entre as administradoras dos três aeroportos, de forma a garantir uma elevação uniforme dos preços livres cobrados das empresas aéreas (para pouso, decolagem e permanência e aeronaves). O efeito desta elevação de preços dos serviços aeroportuários, em um mercado aéreo oligopolista como o nacional, será certamente o repasse deste aumento de custos para as passagens aéreas. Na mesma linha, o fato deste sócio minoritário ser uma empresa pública - que na melhor das hipóteses tem por objetivo seguir as linhas delineadas pelo governo para ampliar a infraestrutura aeroportuária - incentivará a adoção de uma ingerência indevida do Poder Executivo sobre o órgão regulador, constituído para ter autonomia decisória e gerenciar as tarifas aeroportuárias (de embarque e desembarque).

De maneira mais clara, como parte dos resultados obtidos pelas concessionárias também será direcionado para investimentos em outros aeroportos (seja via repasse de dividendos à Infraero, seja por meio da constituição de um Fundo baseado nas receitas brutas das concessionárias), é de se esperar que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) seja pressionada a elevar tarifas, sem considerar seu principal objetivo neste aspecto: o de garantir apenas que as concessionárias obtenham um lucro "razoável", ajustado ao risco do setor, durante o período de concessão. Isto implicaria, em tese, estabelecer tarifas baseadas em conceitos como modicidade, eficiência e equilíbrio econômico-financeiro (este último pressupondo um valor pago pela concessão que seja economicamente aceitável).

De uma forma ou de outra, no ambiente delineado atualmente, o efeito para o consumidor no setor aéreo poderá ser o pior possível. É exatamente por isso que seria importante rever o modelo de concessões proposto de forma a considerar os efeitos sobre a concorrência no segmento aeroportuário.

Cleveland Teixeira Prates, economista, sócio diretor da IMPartners - Consultoria Econômico-Financeira, é professor do MBA da FGV-Law