Título: MP será usada para capitalizar BNDES
Autor: Safatle, Cláudia e Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2006, Finanças, p. C1

O governo aproveitou a medida provisória que flexibiliza as regras cambiais para capitalizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo a exposição de motivos que acompanha a MP, será montada uma engenharia financeira que, na prática, amplia o capital do banco em até R$ 7 bilhões, permitindo que seus empréstimos sejam alavancados em até nove vezes esse valor. O patrimônio de referência (PR) do banco passará de R$ 24 bilhões para até R$ 31 bilhões.

Isso, segundo o presidente do BNDES, Demian Fiocca, resolve dois problemas: aumenta o limite de empréstimos para os grandes grupos econômicos, como os da siderurgia e petróleo, e melhora os indicadores de alavancagem do banco pelos critérios do acordo da Basiléia. O BNDES apresenta, hoje, alavancagem de oito vezes o capital sobre o ativo. Outras instituições de fomento no mundo, como BID e Bird, exibem valor menor, de quatro vezes.

Em 1997, quando o Tesouro transferiu para o BNDES ações da Vale do Rio Doce para serem leiloadas, exigiu como contrapartida que o banco assumisse dívidas do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Agora, o Tesouro pretende fazer a "novação" dessa dívidas - ou seja, criar uma nova dívida, de melhor qualidade para o banco, para substituir a anterior. Com isso, o BNDES poderá incluir a dívida como capital híbrido para fins de cálculo do patrimônio de referência de nível 2. Ou seja, poderá considerar essas dívidas como "quase" capital. A dívida, no balanço do BNDES de 31 de março, era de R$ 7,001 bilhões. Pelas regras da Basiléia, nenhum banco pode ter exposição a um grupo econômico superior a 25% do PR (R$ 5,5 bilhões para o BNDES). Vários grupos já estão perto desse limite, como Petrobras, Usiminas e CSN.

Agora, como ministro da Fazenda, Guido Mantega liquida um assunto cuja solução já vinha defendendo como presidente do BNDES. Na gestão de Antônio Palocci na Fazenda, havia resistências, sobretudo do Tesouro e do Banco Central.

Outra questão que está sendo resolvida na MP da cobertura cambial é a dispensa de Imposto de Renda retido na fonte sobre aviões arrendados no exterior. Hoje, a remessa desses pagamentos ao exterior paga 15% de IR. O imposto deixa de ser cobrado. Também foi reduzida a zero a alíquota de IR na fonte incidente nas remessas para pagamento de afretamento, aluguel, arrendamento de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras.

"O beneficio fiscal decorrente da redução a zero da alíquota de IR encontra justificativa econômica e social", afirma a exposição de motivos. "Dentre essas, podem ser delineadas a recuperação lenta do setor aéreo após a crise mundial instalada em 2001, necessidade de modernizar a frota nacional, e, também, beneficiar os passageiros pela expectativa de redução de tarifas."

Quanto às medidas de natureza cambial, não há surpresa em relação ao que foi noticiado pelo Valor. A principal medida é permitir que o Conselho Monetário Nacional (CMN) dispense da obrigação de cobertura cambial um percentual das exportações, entre zero e 100%. O percentual será de 30% na fase inicial, sujeito a mudança.

Segundo a exposição de motivos, o artigo 1 da MP irá excepcionalizar condicionalmente a regra permitindo que, na forma disciplinada pelo CMN, "os recursos em moeda estrangeira ou nacional relativos às exportações brasileiras de mercadorias e serviços sejam mantidos em instituição financeira no exterior". O parágrafo 3 do artigo transfere do BC para a Receita Federal o poder para controlar o câmbio do exportador.

A exposição de motivos diz que, ao BC, restará apenas a tarefa de manter registros de câmbio de exportação e passar informações à Receita Federal, obedecendo um mecanismo que será detalhado em legislação conjunta desses dois órgãos.

A exposição de motivos também confirma a criação de "formas simplificadas de contratação de operações simultâneas de compra e de venda de moeda estrangeira". Por esse mecanismo o exportador poderá fazer duas operações de câmbio ao mesmo tempo, uma de compra e outra de venda, evitando riscos de oscilações de taxa e custos de transações típicos desse tipo de contrato - mas terá que pagar a CPMF.

Com esse sistema, na prática, o exportador terá uma dispensa da exigência de cobertura cambial para além dos 30% que serão definidos pelo CMN, desde que faça o pagamento da CPMF. "A medida permitirá larga desburocratização e simplificação de procedimentos nesse tema, impactando, de forma muito significativa, na redução dos custos operacionais (não tributários) dos nossos exportadores", diz a exposição.

Outro assunto que está sendo tratado na MP são os chamados capitais contaminados - recursos estrangeiros investidos no país que não têm o devido registro no BC e que, por isso, estão impedidos de fazer remessas regulares ao exterior de lucros e de outras rendas. Será concedido o direito de registro em moeda nacional desses capitais.

A MP lista nove situações em que foi criado esse capital contaminado, que incluem basicamente todas as que foram mapeadas pelo Banco Central.

"A medida, a par de atender a demanda de investidores externos que se encontram nessa situação (de capital contaminado), contribuiria de forma efetiva para o aperfeiçoamento dos dados estatísticos relativos aos capitais estrangeiros no país, que passaria a incorporar valores pertencentes a não-residentes até então desconhecidos", diz a exposição de motivos.

Segundo o documento, estão sendo estabelecidos dois critérios para o registro dos capitais: "a) os valores correspondentes constem regularmente dos registros contábeis da empresa brasileira receptora do investimento; b) o Banco Central publicará os dados constantes do registro." Não há menção na exposição de motivos de uma eventual exigência de que, para registrar os capitais, a empresa tenha recolhido tributos sobre o capital contaminado.

A medida provisória cria, no seu artigo 7, instrumentos que permitem à Receita Federal o acompanhamento dos recursos deixados no exterior pelos exportadores. Serão criadas três condições: "o franqueamento, à Receita, das informações sobre movimentação desses mesmos recursos pelo exportador no exterior; a necessidade de que o exportador interessado no gozo dessa situação diferenciada mantenha escrituração fiscal ordinária; e a instituição de penalidades que venham a ser associadas ao cumprimento dessas mesmas obrigações."

Conforme anunciado, a MP também dispensa formalidades para a compra de dólares até US$ 3 mil, e permite que sejam feitos pagamentos em reais de compras feitas nos "free shops".