Título: Nas mãos do Congresso
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2010, Economia, p. 13

Servidores pressionam os parlamentares para suspender a tramitação de propostas de cunho fiscal. Entre elas, estão a limitação dos gastos com a folha e a demissão por baixo desempenho

Projetos que garantem maior organização e transparência às despesas com o funcionalismo empacaram no Congresso Nacional por força do lobby dos sindicatos e do desinteresse mútuo de parlamentares e do governo. Mesmo com a conclusão das eleições legislativas, dificilmente as propostas que racionalizam os gastos com a folha de pessoal sairão da gaveta até o fim do ano. O motivo é simples: as medidas são, ao mesmo tempo, polêmicas e impopulares.

Os temas mais espinhosos que aguardam por definição mexem com o bolso, com a estabilidade funcional e com a aposentadoria de quem escolheu o Estado como patrão. Nesse tripé, destaca-se o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 248/98, que estabelece critérios para a perda de cargo efetivo por insuficiência de desempenho. Outro PLC crucial é o de nº 549/09, que altera a redação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), limitando o crescimento das despesas com salários à inflação do ano anterior mais um aumento real de 2,5%. Os servidores também estão de olho no Projeto de Lei nº 1.992/07, que institui a previdência complementar no setor público, voltada ao custeio das aposentadorias acima do teto pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (R$ 3.416,54).

A regulamentação conjunta desses três dispositivos representaria, segundo analistas, um alívio sem precedentes às contas públicas. O texto que permite demitir servidores efetivos mal avaliados em testes de competência foi aprovado por unanimidade na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara depois de vagar por quase 10 anos pelos corredores do Parlamento. O projeto não só está pronto para ir a plenário como, ironicamente, ainda ostenta o carimbo de urgente. Seu curso normal entre os deputados foi interrompido em 2007 devido a resistências de partidos aliados ao Palácio do Planalto e a pressões de entidades ligadas ao funcionalismo, que enxergam nas mudanças uma perigosa brecha para o enxugamento da máquina.

Letra morta Barreiras idênticas atrapalham o avanço de outro projeto, o que muda a LRF e estabelece um limitador para a expansão da folha anual de salários da União. A proposta impõe um teto ao desembolso geral feito todos os anos pelo Tesouro Nacional para pagar a remuneração dos funcionários dos Três Poderes. De prioridade zero a letra quase morta, a iniciativa agoniza por falta de apoio político. Sua aprovação colocaria um freio ao avanço do gasto com os servidores. Essa conta não para de subir e saltou de R$ 127 bilhões em 2007 para uma projeção de R$ 175 bilhões neste ano no Orçamento de 2011, a estimativa oficial é gastar R$ 184,4 bilhões. Se o gatilho estivesse em vigor, a expansão variaria em um ritmo bem mais moderado.

O peso das aposentadorias e pensões nos cofres públicos também seria menor se o projeto que define regras para a criação do fundo de previdência complementar do funcionalismo fosse aprovado a última versão está em análise na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. A proposta foi idealizada no contexto da reforma da Previdência de 2003 para corrigir desequilíbrios atuariais recordes acumulados pelo setor público.

Funcionários inativos do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, incluindo os militares e o Ministério Público da União, custaram em 2009 R$ 38,1 bilhões a mais do que contribuíram, deficit que saltará neste ano para R$ 43,4 bilhões. O INSS, que paga benefícios a 27 milhões de brasileiros, também fechou no vermelho no ano passado (R$ 42,8 bilhões). Aposentados e pensionistas da máquina federal chegam a cerca de 990 mil.

Nelson Marconi, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que a paralisia legislativa impediu que o país desse início ou aprofundasse mudanças estruturais com foco na melhoria do gasto com pessoal. Está armada uma bomba relógio para os próximos anos. Todo mundo já sabe disso, resume. De acordo com ele, os reajustes concedidos ao funcionalismo, sobretudo ao longo do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, elevaram a despesa com salários de servidores a patamares nunca antes alcançados. Os repasses federais anualizados tendem a ter cada vez mais impacto nas contas públicas, adverte. Sem mudanças legais, haverá problemas muito sérios lá na frente. Espero que o próximo governo enfrente essas questões.

Desmobilização Técnicos do governo que atuam ou atuaram na elaboração de algumas das mais importantes políticas de recursos humanos voltadas ao funcionalismo admitem que não há tempo para aprovar soluções capazes de alterar o rumo dos gastos com pessoal. No campo político, os esforços são grandes para enterrar de vez as propostas que tanto inquietam os servidores. A desmobilização coincide com o desejo dos sindicatos.

A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), entidade que representa a maior parte dos servidores ativos e inativos do Executivo federal, é radicalmente contra as três propostas de cunho fiscal que estão paradas no Congresso. Josemilton Costa, secretário-geral, diz que as tentativas de congelar salários, de demitir servidores e de alterar as regras de aposentadoria representam afrontas a direitos históricos conquistados pelos trabalhadores da União. Queremos retomar a discussão de uma pauta positiva. Projetos que são entulhos dever ser arquivados imediatamente, reforça. Se eles estão aí até hoje, sem um encaminhamento, é porque não interessam.