Título: Comissões da verdade em 12 Estados aguardam congênere nacional
Autor: Lima,Vandson
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2012, Política, p. A6

A demora da presidente da República Dilma Rousseff em indicar os sete integrantes que coordenarão a Comissão Nacional da Verdade, que irá apurar violações de direitos humanos ocorridas no Brasil entre 1946 e 1988, tem feito com que parlamentares ligados ao tema se movimentem país afora pela criação de iniciativas similares em Estados e municípios. Além de manter o assunto em voga, a intenção das comissões locais - algumas já em funcionamento e com foco mais específico na ditadura militar - é abastecer o órgão nacional de informações que permitam o cumprimento dos trabalhos dentro do prazo de dois anos definido pela lei, sancionada em novembro.

Já foram criadas ou tramitam no Legislativos estaduais 12 comissões de memória e verdade: em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pará e Espírito Santo.

Criada por meio de acordo de líderes da Assembleia Legislativa de São Paulo em dezembro, a versão paulista da Comissão da Verdade, intitulada "Rubens Paiva" em homenagem ao deputado federal cassado pela ditadura em 1964 - e que desde 1971 faz parte da lista dos mortos e desaparecidos políticos -, irá apurar violações ocorridas no Estado entre 1964 a 1982.

A comissão paulista terá poder para convocar funcionários públicos que estiveram a serviço de órgãos de repressão estaduais ou federais sediados no Estado. "Queremos esclarecer como funcionava a Oban [centro de investigação montado pelo Exército em 1969], a casa da morte em Parelheiros, os sítios da repressão, como foram organizadas as valas comuns de Perus e Vila Formosa", afirma o deputado Adriano Diogo (PT), presidente do órgão estadual que já solicitou ao Ministério da Justiça e à secretaria de Patrimônio da União que o antigo prédio da 2ª Circunscrição Judiciária Militar seja usado como sede do grupo. "Temos que ter estrutura para receber documentos e guardá-los", alega. O Ministério Público Federal solicitou à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo que todas as delegacias verifiquem em suas unidades a existência de documentos referentes ao período do regime militar - e caso os encontrem, encaminhem ao Arquivo Público Estadual.

A comissão paulista realizou há duas semanas seminário com o sociólogo peruano Eduardo González Cueva, diretor do International Center for Transitional Justice (ICTJ) e o procurador regional da República Marlon Weichert, cotado para integrar a comissão nacional.

Ex-preso político, Diogo tem auxiliado parlamentares na criação de comissões em Pernambuco, Espírito Santo e em Bauru, interior do Estado. A capital paulista também já aprovou a criação de uma comissão municipal.

A Comissão da Verdade e do Memorial da Anistia Política da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais foi criada em agosto do ano passado e promete retomar casos polêmicos como os de ex-companheiros de militância da presidente Dilma, da estilista Zuzu Angel e até do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Por enquanto, seus integrantes não planejam ouvir pessoas que supostamente tenham cometido crimes durante o regime militar. Dizem que antes é preciso saber qual papel a comissão federal dará às comissões regionais. "Estamos meio paralisados. Fazer o quê? Não dá para sair na frente da comissão federal", admite o presidente da comissão da OAB de Minas, o advogado Márcio Augusto Santiago.

O grupo mineiro deverá funcionar como um receptor de informações e denúncias para municiar a comissão nacional. Parte desse conteúdo já foi encaminhado ao MPF em Belo Horizonte em forma de representação. A OAB-MG listou os nomes de 26 militantes políticos mineiros mortos em outros Estados durante o regime militar. Zuzu Angel está na lista. Ela foi morta no Rio em abril de 1976 num acidente de carro que teria sido provocado por agentes de órgãos de repressão. Cinco anos antes seu filho, Stuart Jones, militante do MR-8, havia desaparecido, num caso que Zuzu denunciou no Brasil e no exterior.

Na lista, aparecem ainda 23 militantes que desapareceram fora do Estado. Segundo Alberto Carlos Dias Duarte, integrante da comissão mineira, dois deles já foram citados por Dilma como seus companheiros de luta na organização VAR-Palmares: Antônio Joaquim de Souza Machado e Carlos Alberto Soares de Freitas. Ambos sumiram no Rio em fevereiro de 1971.

Suspeitas envolvendo a morte de Juscelino também deverão ser remetidas pela OAB à comissão nacional. O relato de Serafim Jardim, um ex-secretário do presidente, será a base de argumentação. Jardim vive em Belo Horizonte e o livro "JK, onde está a verdade?" (Editora Vozes), baseado em documentos por ele recolhidos e depoimentos aponta incoerências na versão oficial de que o presidente morreu num acidente de carro em agosto de 1976. O acidente teria sido armado por agentes do regime militar. "Provavelmente vamos sustentar a denúncia de que JK foi assassinado", diz Duarte.

No Rio Grande do Sul, a Assembleia Legislativa pretende montar sua comissão da verdade até o fim do ano, mas sem "revanchismo", diz o presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Casa, deputado Miki Breier (PSB). A ideia, diz, é "conhecer melhor" a história da repressão no Estado.

As discussões começaram no ano passado, mas ainda são embrionárias. "Não queremos traumas", afirma Breier, que planeja montar, na CCDH, um acervo de informações sobre violações dos direitos humanos aberto ao público. A comissão convidará para depor tanto perseguidos do regime militar e seus familiares quanto os agentes da repressão, embora não tenha poderes legais para exigir o comparecimento às sessões. Também vai solicitar documentos à polícia e ao Exército.

A Comissão da Verdade em Santa Catarina recebeu o nome Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça e tem hoje 40 integrantes, entre familiares de mortos e desaparecidos, dirigentes sindicais, parlamentares e militantes pelos direitos humanos. Para agilizar o recolhimento de informações, pequenos grupos se dedicam a estudo e coleta de dados históricos, a ouvir pessoas e a buscar documentos que possam auxiliar no esclarecimento das circunstâncias dos desaparecimentos e das mortes que aconteceram durante a ditadura.

Prudente José Silveira Mello, advogado que participa do coletivo, diz que foram criados três outros pequenos grupos que auxiliarão na busca de informações: um na OAB-SC, que está em formação, com advogados que possam conseguir elementos para o entendimento de alguns casos, e dois grupos de estudos, na Faculdade Cesusc e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde estão sendo coordenadas monografias e dissertações sobre Justiça de transição.

Segundo Prudente, também integrante da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, essa capilaridade foi criada para dar rapidez ao trabalho, já que a Comissão Nacional terá tempo curto. No Estado houve cerca de 400 presos políticos pela ditadura militar e 14 pessoas, entre mortos e desaparecidos, ainda não tiveram os seus casos esclarecidos. Estão nesse grupo nomes conhecidos no Estado como o de Paulo Schilling, militante da ação popular e membro do partido socialista, e Arno Preis, militante estudantil que foi morto com tiros nas costas.

Durante 12º Fórum Parlamentar Nacional de Direitos Humanos, realizado em Brasília, representantes de assembleias estaduais e câmaras de vereadores relataram o andamento e dificuldades encontradas do processo de criação de comissões locais. Na Bahia e em Alagoas, projetos estão em tramitação adiantada no Legislativo.

Em Pernambuco, o governo enviou no dia 30 o projeto de lei que visa a criação da comissão estadual de Memória e Verdade. A Assembleia Legislativa irá apreciar em regime de urgência o pedido feito pelo governador Eduardo Campos (PSB), cujo avô, Miguel Arraes, foi deposto pelo golpe militar de 1964 e passou 14 anos exilado na Argélia.

A expectativa é de aprovação do projeto ainda na primeira quinzena de abril. "Já deveria ter começado há muito tempo", afirmou Campos. O grupo será formado por nove integrantes, sendo pelo menos seis representantes da sociedade civil. O mandato de cada um será dois anos, renovável pelo mesmo período. A participação na comissão é vedada a pessoas que exerçam cargo em partido político e a servidores públicos comissionados.

De acordo com o projeto, a comissão vai investigar as violações ocorridas entre 1946 e 1988 e encaminhar suas conclusões para o Ministério Público, a quem caberá a eventual abertura de processos judiciais. "O que buscamos é estabelecer a verdade, sem ranço e sem caça às bruxas", diz a secretária estadual de Direitos Humanos, Laura Gomes.

O secretário-executivo da pasta, Paulo Moraes, acredita que será necessária uma "ampla interação" com a comissão nacional. Segundo ele, há um entendimento de que funcionários públicos federais envolvidos em algum episódio de interesse da comissão pernambucana só poderiam ser convocados mediante autorização da comissão nacional.