Título: Venda do imóvel e rompimento da locação
Autor: Filho, Mario Cerveira e Cerveira, Daniel Alcântara
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Na vida, invariavelmente, iremos nos deparar com contratos de locação de imóveis, o que obriga alguns cuidados que, se bem gerenciados, propiciarão bons negócios. Mas, apesar de ser extremamente relevante tanto para o locador como para o locatário, não é incomum a elaboração de contratos de locação nos quais as partes sequer ventilam sobre a inserção ou não da cláusula de vigência. Por outro lado, também é muito freqüente casos em que as partes se preocuparam com a referida cláusula, mas não atenderam corretamente as formalidades.

A cláusula de vigência trata-se de uma disposição contratual que prevê a obediência do pacto locatício na hipótese do imóvel ser alienado. Assim, do ponto de vista do locador/proprietário, é evidente que a não-inclusão da citada cláusula facilita a venda do imóvel - ou seja, gera liquidez - e eleva o poder de barganha - majoração do aluguel versus venda do imóvel e risco de despejo. No que se refere aos locatários, especialmente os de imóveis comerciais, a atenção deve ser redobrada, na medida em que o fundo de comércio fica ameaçado de despejo, além do inequívoco poder de barganha que possuirá o adquirente em uma possível majoração do aluguel versus despejo.

Em que pese não ser corriqueiro no setor, os lojistas de shopping centers também precisam ficar atentos, pois em várias oportunidades despendem altos valores a título de luvas e de "res sperata" e com a instalação de suas lojas. No entanto, recentemente alguns empreendimentos foram alienados a terceiros, como o Plaza Sul, o Top Center, o La Plage e Shopping Center Matarazzo, adquirido em leilão. Ademais, cumpre esclarecer, que o locatário poderá ser despejado independentemente do prazo contratual e, como regra, não terá direito à indenização, salvo em caso de dolo.

Quanto ao descabimento da indenização na hipótese de despejo de um locatário acionado pelo adquirente, cabe ressaltar que até pouco tempo atrás a jurisprudência insistia em condenar o alienante em prestar indenização ao inquilino. Porém, atualmente, aliados à boa doutrina, os nossos pretórios vêm reiteradamente afastando os pleitos indenizatórios respectivos. Ora, como a lei prevê meios para proteger o inquilino do desalijo forçado em caso de alienação do imóvel, notadamente não será devida a indenização nessas circunstâncias. Nas sempre certeiras palavras de José Guy de Carvalho Pinto no livro "Locação & Ações Locativas", da Editora Saraiva, "se o inquilino arca com prejuízos retamente procedentes do rompimento antecipado da ligadura convencional, consente a lei que venha a precaver-se contra tal e incômoda situação".

-------------------------------------------------------------------------------- A não-inclusão da cláusula nos contratos facilita a venda do imóvel - ou seja, gera liquidez - e eleva o poder de barganha --------------------------------------------------------------------------------

O artigo 8º da Lei do Inquilinato - a Lei nº 8.245, de 1991 - cuida da questão, determinando que na hipótese em que "o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de 90 dias para desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel".

Com exceção dos herdeiros (e legatários, segundo o artigo 10º da lei) e usufrutuários, o termo "alienado" deve ser entendido como qualquer transferência de propriedade, seja a título oneroso ou gratuito, como nos casos de compra e venda, doação, cessão, permuta, arrematação em hasta pública, dação em pagamento etc. O benefício é estendido ao promissário comprador e ao promissário cessionário, desde que com a imissão na posse e título registrado junto à matrícula do imóvel (parágrafo 1º do artigo 8º da Lei do Inquilinato).

No mais, verifica-se que não é a alienação que rompe a locação, e sim a denúncia, amparada no princípio da relatividade dos contratos (Sylvio Capanema de Souza no livro "Da Locação do Imóvel Urbano", da Editora Forense). Depois da denúncia, o aluguel deverá continuar a ser pago normalmente, sendo vedado o chamado "aluguel pena" (Súmula nº 25 do extinto 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, embora a tese não seja pacífica).

E para ser válida, a denúncia deve ser exercitada através de ato inequívoco (notificação), no prazo de 90 dias a partir do registro da venda ou do compromisso, sob pena de presunção de concordância na manutenção da locação (parágrafo 2º do artigo 8º). Se o adquirente já ostentava a qualidade de locador, é possível, com fundamento da teoria da aparência, afastar a retomada antes de findo o prazo contratual, bem como ajuizar a ação renovatória de contrato de locação (vide Apelação nº 412.973 da Terceira Câmara do extinto 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo).

Sob outro prisma, constata-se que para a cláusula de vigência (ou cláusula de respeito) gerar os efeitos pretendidos é necessário que o contrato seja por prazo determinado e esteja registrado junto à matrícula do imóvel - a lei utilizou a terminologia incorreta, averbação, quando deveria ser registro. A lógica do referido registro consiste em dar publicidade ao contrato. Como não poderia ser diferente, na prática surgem os casos mais variados que ainda carecem de construções jurisprudenciais robustas. No entanto, conclui-se que a cláusula de vigência é crucial para o sucesso de uma transação ou negócio, tanto do ponto de vista do locador como do locatário.

Mario Cerveira Filho e Daniel Alcântara Nastri Cerveira são advogados e sócios do escritório Cerveira, Dornellas e Advogados Associados