Título: Dobra a alíquota do IOF
Autor: Cristino, Vânia; Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2010, Economia, p. 16

Com o objetivo de conter a entrada maciça de dólares no país, governo aumenta de 2% para 4% a tributação sobre aplicações estrangeiras

A palavra do ministro da Fazenda, Guido Mantega, não durou nem uma semana. Depois de negar, na terça-feira passada, que o governo iria aumentar a tributação sobre a entrada de capital externo no país, o condutor da política econômica fez justamente isso. No fim da tarde de ontem, após o fechamento do mercado financeiro, Mantega anunciou que a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre investimentos estrangeiros em renda fixa vai dobrar a partir de hoje. A taxação passará dos atuais 2% para 4%. O objetivo é conter o maciço desembarque de dólares, que vem derretendo a cotação da moeda em relação ao real, com prejuízos para as exportações brasileiras.

É exclusivamente para a renda fixa porque achamos que há um interesse crescente dos estrangeiros nessa modalidade. Isso não altera o IOF para aplicação na bolsa, que continua em 2%. Essa medida vem reforçar aquilo que foi feito um ano atrás, explicou. Em outubro de 2009, o governo decidiu adotar o IOF de 2% para os investimentos externos em renda fixa e variável. Naquele momento, o dólar era negociado por volta de R$ 1,710. Ontem, seguindo a trajetória de queda acentuada nos últimos dias, fechou em R$ 1,692.

Na avaliação de analistas, a iniciativa não deve surtir muito efeito. A depreciação do dólar deve diminuir num primeiro momento, como aconteceu no passado, mas pode voltar depois, observou o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto. Para o economista, esse tipo de aplicação vai ficar menos atraente. Ao mesmo tempo, porém, a taxa de juros futura, que ontem já estava em alta, deverá permanecer subindo. O governo ganha de um lado, evitando que o movimento de entrada de dólar continue forte, mas perde de outro, pois vai pagar mais caro para se financiar, afirmou.

Migração Tampouco o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, acredita que a medida irá resolver o problema do câmbio. Num primeiro momento, sim, terá um impacto. Mas, depois, o real voltará a se valorizar, previu. Segundo Castro, os recursos externos hoje aplicados em renda fixa migrarão para aplicações em bolsa de valores ou investimentos diretos. É uma solução paliativa, conjuntural. Os exportadores precisam é de medidas estruturais para aumentar a competitividade das empresas brasileiras, como investimentos em infraestrutura, redução da burocracia e as reformas tributária e previdenciária.

Para o diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Roberto Giannetti da Fonseca, a medida é coerente com o atual processo de formação da taxa de câmbio. Estamos vendo uma guerra cambial, com uma entrada muito grande de dólares no Brasil, o que prejudica a competitividade brasileira, disse. Ontem, Mantega informou que não vê, no momento, necessidade de intervenção no mercado futuro de câmbio. Ele revelou que a decisão de elevar o IOF ocorreu porque a pressão de alta do real continuou mesmo após o fim da capitalização da Petrobras. Achei que iria parar, mas a pressão de valorização (do real) continuou, ressaltou o ministro.

Achei que iria parar, mas a pressão de valorização (do real) continuou

Guido Mantega, ministro da Fazenda

Disputa comercial

A desvalorização do dólar em relação a outras moedas vai além de uma guerra cambial, na avaliação do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Não é só uma guerra cambial. A tendência é haver uma guerra comercial, observou. Na semana passada, o ministro afirmou que o mundo está em uma guerra cambial que coloca países como o Brasil em desvantagem no comércio exterior.

Tanto o chefe do FMI, Dominique Strauss-Kahn, quanto o secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, negaram essa visão. Mas ontem Mantega disse que pretende levar o problema cambial às próximas reuniões dos fóruns internacionais. Há um conjunto de ocorrências no mercado mundial que merecem a atenção do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo). É preferível que tomemos medidas coordenadas, disse.

Aborrecimento O Nobel de economia Joseph Stiglitz afirmou que enfraquecer o dólar pode ser a arma mais poderosa do Fed agora que as taxas de juros já chegaram ao piso. Brasil, China e Índia estão provavelmente robustos o suficiente para enfrentar isso, mas eu entendo o aborrecimento deles, considerou.

Os temores de que uma guerra cambial possa estar se formando devem dominar as conversas de líderes financeiros no encontro do FMI e do Banco Mundial, que começa na sexta-feira em Washington. (VC)