Título: As exportações e a farsa das compensações
Autor: Rodolpho Tourinho
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2004, Opinião, p. A9

A baixa inserção do Brasil no comércio internacional tem trazido uma série de problemas ao país: altos níveis de desemprego, altas taxas de juros, elevada relação dívida/PIB, apenas para citar alguns. Seguramente, um dos entraves à nossa maior participação no comércio internacional, além das dificuldades burocráticas, é o fato de sermos um dos poucos países do mundo que exporta tributos. O país exporta tributos porque o sistema de compensação aos Estados e municípios pelas perdas do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) está defasado, desatualizado, e chegando a ser uma farsa. O primeiro mecanismo de compensação, o Fundo de Exportação (Fpex), foi criado pela Constituição promulgada em 1988. É composto por 10% da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O objetivo era compensar Estados e municípios face à desoneração do ICMS sobre a exportação de produtos industrializados. O Fpex vem sendo diminuído ao longo do tempo, pelo atual governo e pelos anteriores, em função de uma política de redução da arrecadação do IPI, imposto que é compartilhado pela União com Estados e municípios. Essa política prejudica as exportações, além de representar o fim da federação. É uma política tacanha em si mesma e pode até representar um projeto de poder pelo domínio da União sobre os outros entes federados. O Fpex, em função disso, compensa hoje apenas 12% as exportações de produtos industrializados. O segundo mecanismo foi criado em 1996, por intermédio da chamada Lei Kandir. Visava compensar os Estados e municípios pelas perdas na desoneração das exportações de produtos primários e semi-elaborados. Acontece que a lei também compensava - e compensa - as perdas decorrentes da desoneração de bens de capital. Atualmente, a proporção das perdas com as referidas desonerações é de 55% ,pela exportação, e 45%, por bens de capital. Além dessa limitação - de não tratar somente de compensar exportações - o percentual de compensação aos Estados e municípios vem baixando sistematicamente ano a ano. Em 2004, serão compensados com menos de 19%. É bom ressaltar que, desde o início da década de 90, a maioria dos países federativos busca o fortalecimento do federalismo fiscal. Contudo, o mesmo não ocorre no Brasil. Aqui, os entes federados, Estados e municípios, têm sofrido com o movimento inverso na distribuição dos recursos fiscais. Em 1988, quando a atual Constituição foi promulgada, as receitas da União, compartilhadas com Estados e municípios, correspondiam a 76,2% dos recursos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Hoje, correspondem a apenas 44,45%. Apesar da queda na distribuição dos recursos, a União finge ignorar o fato de termos uma carga tributária descomunal, que nos últimos seis anos aumentou cerca de seis pontos percentuais, atingindo, ano passado, 35,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Países em vias desenvolvimento, deveriam ter carga tributária em torno de, no máximo, 20% do PIB.

Se, por um lado, as exportações crescem, de outro se transfere cada vez mais a fatura para Estados e municípios

O resumo da história das compensações das exportações brasileiras é, na verdade, um desequilíbrio só. Mecanismos até então criados para contrabalançar as perdas, hoje mal escondem seus pífios resultados: o Fpex compensa 12% das perdas, e a Lei Kandir cerca de 19%. E o que está acontecendo? De um lado, ministros reclamam que os Estados não estão cumprindo com o pagamento dos créditos tributários de exportação. Do outro, os exportadores reclamam, com razão, e alegam que não podem fechar seus balanços. E o governo, o que faz? Edita medida provisória, reduzindo em R$ 200 milhões o repasse acordado com o Congresso; obriga os Estados a prestar informações burocráticas e difíceis de serem cumpridas; e não aloca nenhuma verba para o atendimento da Lei Kandir no Orçamento de 2005. Nem indica seu valor, deixando o desgaste para o Congresso Nacional. O resultado é que a conta não fecha. Basta analisar as perdas de Estados e municípios. Cálculos feitos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) indicam que, em 2004, os Estados estão abrindo mão de cerca de R$ 18 bilhões devido à Lei Kandir e receberão apenas R$ 4,3 bilhões. Para 2005, o total deveria ser de pelo menos R$ 9 bilhões, quando se afasta o efeito dos bens de capital das perdas de 2004. Aplicando o valor correto, estaríamos contribuindo para o fim da farsa, em que a União finge que compensa, e os Estados fingem que pagam os créditos aos exportadores que, por sua vez, reclamam do governo federal. A situação que se coloca é, no mínimo, contraditória. Se, de um lado, se exporta cada vez mais em benefício do país, de outro se transfere cada vez mais para os Estados e municípios o valor da fatura. A conseqüência é que os Estados estão se afastando de empreendimentos voltados para a exportação. É necessário, portanto, alterar a sistemática de desoneração das exportações, assegurando aos Estados o recolhimento do ICMS devido e remetendo à União a responsabilidade direta pelo ressarcimento aos exportadores que efetivamente pagarem nas operações que destinem bens e serviços ao exterior. Uma lei complementar, de caráter nacional, disporá sobre as formas e montantes pelos quais a União ressarcirá o exportador, dando-se preferência ao pagamento em moeda corrente e ao crédito tributário compensável com outros tributos federais. O melhor lugar para tratar de todos esses problemas é em torno de uma mesa de negociação. O setor exportador não sofrerá nenhum abalo e o país terá mais competitividade para obter as divisas geradas pelas exportações, tão cruciais para garantir o equilíbrio das contas externas, a estabilidade monetária e o desenvolvimento econômico.