Título: Posições da Venezuela preocupam agronegócio
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2006, Brasil, p. A6

Representantes do agronegócio nacional demonstraram ontem, durante reunião da Câmara de Negociações Internacionais, "extrema preocupação" com o impacto que a entrada da Venezuela no Mercosul provocará nas negociações de acordos comerciais com terceiros mercados, como a União Européia.

"Já havia um distanciamento ideológico bastante grande entre os membros do Mercosul. Agora, com a entrada da Venezuela, o setor privado está mais apreensivo quanto a possível mistura de posições políticas do eixo Chávez-Kirchner com as questões comerciais", disse Gilman Viana, presidente da câmara, que reúne representantes de nove ministérios e 22 associações do setor, além da Câmara dos Deputados e Senado. "Não podemos ser presa fácil para posições ideológicas nem políticas. O sinal é muito preocupante".

Em resposta às preocupações do setor, o diretor do Departamento de Integração do Itamaraty, embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, afirmou "não acreditar" que uma "eventual" postura política do presidente Hugo Chávez reflita nas questões comerciais do bloco sul-americano.

Viana, que também preside a Comissão de Comércio Exterior da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), afirmou não ter sido informado pelo governo brasileiro sobre as bases do acordo do Mercosul com a Venezuela. "Não fomos ouvidos. E sem um cronograma fica difícil dizer se isso é bom ou ruim para o bloco."

Apesar da desconfiança, Viana disse que o agronegócio brasileiro tem "muito interesse" em vender carne bovina, de frango e seus derivados, açúcar, cacau e derivados, além de etanol, para a Venezuela, que se abastece com produtos dos Estados Unidos.

Nas questões bilaterais, o setor privado pediu ao governo, sobretudo ao Itamaraty, que avance num pedido de retaliação aos Estados Unidos por descumprimento da decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) em relação aos subsídios aos produtores de algodão. "Certamente, poderíamos usar a retaliação agora, já que os Estados Unidos não demonstraram boa vontade com o tema", afirmou.

O chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, Roberto Azevedo, afirmou que uma decisão do governo dependerá da reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex). "Antes disso, porém, o Itamaraty poderia pedir um painel de revisão para aferir o que foi adotado depois da condenação dos subsídios americanos pela OMC", disse Viana.

Os membros da câmara também discutiram a suspensão das negociações da Rodada Doha da OMC para a abertura de novos mercados, sobretudo para produtos agropecuários. O diretor de Assuntos Comerciais do Ministério da Agricultura, Antonio Carlos Prado Costa, afirmou que a "pausa" nas negociações para o avanço da rodada "não foi boa", mas avaliou que a partir disso serão trilhados outros caminhos.

"Não foi boa, mas necessária e interessante para provocar uma reflexão de quem travou o processo", afirmou Costa. O governo brasileiro entende que Estados Unidos e União Européia poderiam ter oferecido mais para evitar a paralisação da rodada. "Até que ponto vale a pena manter uma negociação artificial? Que esta pausa sirva para uma retomada das negociações em bases mais ambiciosas".

Viana classificou a paralisação da rodada como "nada agradável" por ter evidenciado uma "má disposição" dos países ricos e ter frustrado as nações em desenvolvimento. "E não acredito que mude algo nos próximos meses. Antes de 2007 não teremos nenhum avanço", afirmou.