Título: Justiça de olho nas contas
Autor: Maakaroun, Bertha
Fonte: Correio Braziliense, 25/10/2010, Política, p. 5

Fiscalização será mais rígida com candidatos que costumam ter dificuldade para apresentar recibos de produtos e serviços

Cada vez mais restritiva, nos últimos oito anos, a legislação eleitoral cortou do cardápio das campanhas, showmícios, brindes, outdoors e artistas. Assim, a disputa ficou mais barata, certo? Errado. Pelo menos formalmente, os limites de gastos estimados pelos partidos no ato do registro das candidaturas cresceram em média, em Minas Gerais, por exemplo, 491% no período. Em 2002, as despesas máximas previstas por candidatos a deputado estadual e federal eleitos daquele estado, foram em média, respectivamente de R$ 414 mil e R$ 679 mil. No pleito deste ano, os limites médios de gastos informados à Justiça Eleitoral pelos candidatos a deputado estadual e deputados federais eleitos saltaram nessa ordem, para R$ 2,45 milhões e R$ 3,691 milhões. O fenômeno não se restringe a Minas. Parece refletir uma mudança paulatina de comportamento dos atores políticos a partir do escândalo do mensalão, que eclodiu em 2005 e colocou holofote sobre a prática do caixa 2, até então, algo corriqueiro, mas com pouca evidência na mídia.

Nas eleições gerais de 2002, em todos os cargos proporcionais e majoritários, concorreram 18.880 candidatos. A prestação de contas deles à Justiça Eleitoral somou R$ 827,7 milhões. Quatro anos depois, 18.577 candidatos a todos os cargos proporcionais e majoritários em disputa no país consumiram R$ 1,8 bilhão, segundo os documentos apresentados aos respectivos tribunais regionais eleitorais e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A fortuna informada despejada nas campanhas políticas cresceu, entre os dois pleitos, 121%.

Também separadas pelo caso do mensalão, nas eleições municipais de 2004 e 2008, houve um crescimento significativo do volume de recursos informados nas prestações de contas dos candidatos às prefeituras e câmaras de vereadores em todas as cidades do país. Em 2002, 377.902 candidatos concorreram e declararam gastos que alcançaram R$ 1,4 bilhão. Uma despesa média de R$ 3,7 mil por candidato. Em 2008, 381.847 candidatos consumiram R$ 1,9 bilhão, ou, em média, R$ 5 mil por candidato, portanto, um aumento de 40%.

Nas eleições deste ano, foram 22.569 candidatos concorrendo em todo o país à Presidência, aos governos de estado, à Câmara dos Deputados, ao Senado, às assembleias legislativas e à Câmara Distrital. Se o índice de crescimento de 120% no volume das prestações de contas verificado entre 2002 e 2004 for mantido, o prognóstico ao fim do prazo para a apresentação das contas de candidatos, em 2 de novembro, é de cerca de R$ 4 bilhões em todo o país.

Prestação de contas Os candidatos eleitos, sobretudo nas eleições proporcionais, estão em apuros para demonstrar os gastos de campanha. A dificuldade em reunir alguns recibos é grande, especialmente, em produtos e serviços menores, como o adesivo do tipo see through, usado em carros. As contas de alguns candidatos a deputado federal que serão apresentadas ao TRE-MG alcançam entre R$ 2 milhões e R$ 4 milhões, cifras inimagináveis em 2002. ¿Uma campanha a deputado federal vitoriosa custa cerca de R$ 3,5 milhões¿, garante o deputado federal José Santana (PR-MG), que não concorreu, mas elegeu o filho, Bernardo Santana (PR-MG), que obteve 119.029 votos.

Enquanto as cifras reais começarão a aparecer em 2010, nas eleições de 2002, os 77 deputados estaduais que conquistaram cadeira para a Assembleia mineira informaram uma despesa média de R$ 127 mil. Os 53 deputados federais eleitos prestaram contas de um gasto médio de R$ 679 mil. Os deputados estaduais eleitos em 2006 declararam à Justiça Eleitoral despesa média de R$ 334.978, um volume 164% maior do que nas eleições de 2002.

Naquela época, assim como nas primeiras eleições pós-redemocratização, prestar contas era uma mera formalidade, quase uma peça de ficção. Não havia na história do país nenhum candidato eleito com o diploma cassado em decorrência de caixa 2. Os agraciados com o mandato popular, pouco se preocupavam em reunir recibos e abrir as contas de campanha.

Exemplos do faz de conta na prestação das despesas de campanha à Justiça Eleitoral não faltam. Isaías Silvestre, eleito em 2002 pelo PSB mineiro para a Câmara dos Deputados, informou em sua prestação de contas uma despesa de R$ 3.999,94. Naquela ocasião, o gasto médio declarado pelos deputados federais eleitos por Minas foi de R$ 679 mil. Quatro anos depois, Silvestre não se reelegeu. Teve 21.912 votos e ficou na quinta suplência. Melhorou a sua prestação de contas em relação a 2002, ainda que esta provavelmente tenha estado longe do que de fato ocorreu na campanha: disse ter gasto R$ 19.349,20. A média informada pelos deputados federais eleitos por Minas em 2006 foi de R$ 1,410 milhão, um volume 443% superior ao de 2002.

Luta contra o caixa 2

O faz de conta acabou. No próximo 2 de novembro eleitos e não eleitos têm de entregar as prestações de contas aos tribunais regionais eleitorais. Não pode ser pela internet, nem pelo correio. Se não o fizer, o candidato não obterá registro de quitação eleitoral, requisito para concorrer a um novo pleito. Mas se apresentar as contas e estas forem rejeitadas, o candidato abre a porta para possíveis ações propostas pelo Ministério Público por captação ilícita de recursos ¿ o caixa 2 ¿, o que pode levar à perda do mandato e à inelegibilidade.

Ainda que esteja longe de um controle perfeito, a Justiça Eleitoral dispõe de vários instrumentos que hoje permitem um melhor acompanhamento do que, de fato, ocorreu nas campanhas. ¿Fazemos uma varredura e uma análise acurada nas prestações de contas, o que supõe o cruzamento de dados com diversas fontes, como a Receita Federal, o Banco Central, a Receita Estadual¿, afirma Adriano Denardi Júnior, secretário de Controle Interno e Auditoria do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG).

A cada novo pleito, mais novidades tiram o sono dos candidatos. Este ano, a Secretaria de Estado da Fazenda forneceu, a pedido da Justiça Eleitoral, a relação de todas as notas fiscais eletrônicas emitidas com o CNPJ dos candidatos no período compreendido entre julho e outubro. ¿Vamos conferir os lançamentos, confrontando dados com a prestação de contas¿, afirma Denardi. Outra técnica de auditoria empregada desde as eleições de 2006, a circularização permite checar os dados do fornecedor com aqueles das contas dos candidatos.

Ao mesmo tempo, a Justiça Eleitoral, pela primeira vez, também fez um acompanhamento das campanhas em campo, identificando o volume da propaganda a partir de 15 mil registros de atos de toda espécie, em Minas Gerais. ¿Essa foi uma iniciativa inédita e inclui o registro de 2.712 denúncias de propagandas on-line, além do controle feito pelos cartórios eleitorais e pela secretaria de controle interno, na capital, que percorreu e registrou in loco o gasto aparente das campanhas¿, diz Denardi.

Por essas e outras, a Justiça Eleitoral não está mais refém da prestação de contas apresentada pelos candidatos. Estes, se não andaram na linha, têm mesmo motivo para perder o sono.