Título: Zona do euro manobra para ganhar mais tempo
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Fonte: Valor Econômico, 03/04/2012, Opinião, p. A14

Os mercados aplaudiram o reforço do fundo de resgate da zona do euro anunciado sexta-feira. Depois de três meses de discussão nos 17 países-membros da zona do euro, em que o grupo mais difícil de convencer certamente foi o de parlamentares alemães, os ministros das Finanças da região, o chamado Eurogrupo, concordaram em ampliar o fundo em 40%, para € 700 bilhões. Além disso, anunciaram que € 102 bilhões em créditos concedidos anteriormente à Grécia também serão utilizados no chamado "firewall", elevando o total para € 800 bilhões, perto de US$ 1 trilhão, e que vão contribuir com € 150 bilhões para rechear os cofres do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Eurogrupo tentou mostrar que o fundo ficou mais robusto e que está comprometido a salvar a própria pele para convencer os outros países a aprovar o aumento do capital do FMI, que deve ser discutido na reunião deste mês. Ainda é cedo para saber se o Eurogrupo foi bem-sucedido. Os países do grupo dos Brics, por exemplo, já afirmaram que só contribuem para o FMI se obtiverem maior poder de voto no organismo multilateral.

A ginástica feita pelo Eurogrupo para chegar aos € 800 bilhões não ajuda. De acordo com o comunicado emitido pelos ministros, o novo fundo, o European Stability Mechanism (ESM) será um sucessor do anterior, o European Financial Stability Facility (EFSF), que era temporário. Dos € 500 bilhões que estavam no EFSF, € 200 bilhões estão comprometidos em empréstimos à Grécia, Irlanda e Portugal. Os € 300 bilhões ainda não usados serão transferidos para o ESM, que receberá os recursos restantes em parcelas semestrais, até o início de 2013, dois anos antes do acertado anteriormente. O EFSF continuará existindo para acompanhar os empréstimos que concedeu e o ESM será responsável pelas operações iniciadas a partir de julho.

Há dúvidas se o fundo de resgate é realmente robusto. O fundo deveria ser suficientemente grande para mostrar que não precisará ser utilizado, disse o secretário-geral da Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), Angel Gurría, para quem o colchão de segurança deveria ter chegado a € 1 trilhão. Não só ele pensa assim.

A verdade é que se um grande país da zona do euro escorregar mesmo a quantia astronômica de € 1 trilhão será pouco. Espanha e Itália juntos, por exemplo, têm uma necessidade de financiamento de € 800 bilhões nos próximos três anos. Felizmente, não há indicações de que isso possa ocorrer, mas a zona do euro ainda está longe da estabilidade. Um grande progresso foi feito desde dezembro, quando 25 países da União Europeia assinaram o compromisso de estabilidade fiscal. Houve depois a reestruturação ordenada de US$ 200 bilhões da dívida da Grécia, que ainda recebeu € 130 bilhões da União Europeia e FMI.

A injeção de liquidez feita pelo Banco Central Europeu (BCE), que somou perto de € 1 trilhão, trouxe maior tranquilidade ao mercado financeiro. Embora os bancos europeus não tenham retomado as operações de crédito, houve uma redução dos spreads cobrados na compra dos títulos soberanos da região. O título de dez anos espanhol recuou de 6,7% em novembro para 5,37% depois da injeção de recursos. Na semana passada, porém, os custos voltaram a subir para cerca de 5,5%, com renovados rumores a respeito da fragilidade da saúde do sistema financeiro espanhol, que obrigaria o governo a capitalizá-lo. O governo desmentiu o boato e, apesar de enfrentar uma violenta greve geral, anunciou um dos maiores apertos desde o fim da ditadura de Franco, em 1975. O governo pretende derrubar o déficit público de 8,5% no ano passado para 5,3% neste ano, com o corte de € 27 bilhões em despesas e aumento de impostos. Os títulos da Itália também subiram 14 pontos, para 5,23%, mas nada se compara a Portugal, cujos papéis de dez anos saltaram 27 pontos, para 11,59%.

A realidade é que as várias medidas tomadas reduziram a pressão, mas não acabaram com a crise, e ainda há muito trabalho a fazer. "Quantas vezes vimos a situação melhorar para apenas a crise retornar pouco depois", disse Gurría, coberto de razão. Os bancos ainda estão frágeis e vários países enfrentam déficits poderosos. Pior que tudo, este ainda será um ano de recessão em muitos deles. Tudo que se espera é que o fundo de segurança dê à zona do euro tempo para respirar e corrigir a rota.