Título: Desemprego ameaça gelar a Primavera Árabe
Autor: Fam,Mariam
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2012, Especial, p. A16

Há uma semana Amir Mohammed vem dormindo do lado de fora da Embaixada da Líbia no Cairo, à espera de um visto, tendo como cama um pedaço de papelão na calçada. Ele desistiu de encontrar um emprego no Egito e busca uma maneira de sair do país. "Tento ganhar a vida em meu país, mas não consigo", diz o cabeleireiro de 30 anos. "Não há trabalho. Por que fizemos uma revolução? Queríamos uma vida melhor, justiça social e liberdade. Em vez disso, estamos sofrendo."

A maior taxa de desemprego entre os jovens no mundo deixou o Oriente Médio vulnerável às insurreições que depuseram Hosni Mubarak no Egito e três outros líderes no ano passado. De lá para cá a situação só piorou. Cerca de 1 milhão de egípcios perderam seus empregos em 2011, com a economia encolhendo pela primeira vez em décadas. O desemprego na Tunísia, onde as revoltas começaram, está acima dos 18%, segundo informou em janeiro o banco central local. A taxa era de 13% em 2010, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Encontrar trabalho para pessoas como Mohammed será o maior desafio dos governos recém-eleitos, acentuando a diferença entre as grandes expectativas criada pelas revoltas e a realidade de economias que lutam para fugir da recessão. Um fracasso poderá provocar uma nova onda de turbulências em uma região que detém mais da metade das reservas de petróleo do mundo.

"O advento da democracia trouxe consigo grandes esperanças", diz Raza Agha, economista sênior do Royal Bank of Scotland em Londres. "As expectativas são de que novos governos trarão prosperidade, mas quando você olha para os fundamentos, vê que isso não deverá acontecer."

O PIB da Tunísia encolheu 1,8% no ano passado e o governo reduziu em março sua previsão de crescimento para 2012 em um ponto porcentual, para 3,5%. A economia da Tunísia não apresenta contração desde 1986, segundo dados do FMI.

A economia do Egito encolheu 0,8% em 2011. O governo está pagando quase 16% pela tomada de empréstimos em libras egípcias por um ano, em comparação a menos de 11% no fim de 2010, depois que quatro rebaixamentos de classificação pela agência Moody"s Investors Service efetivamente alijou o país dos mercados internacionais de dívida. O índice referencial de ações, o EGX 30, reagiu neste ano, mas ele ainda se encontra quase um terço abaixo dos níveis registrados antes das revoltas.

A Egyptian Co. for Mobile Services, ou Mobinil, a segunda maior e a mais antiga operadora de telefona móvel do país, registrou no ano passado seu primeiro prejuízo em mais de uma década, segundo dados compilados pela Bloomberg, diante da redução dos gastos pelos clientes. O lucro da Talaat Moustafa Group Holding, a maior incorporadora imobiliária de capital aberto do Egito, caiu 39%.

"O Egito precisa crescer, precisar criar empregos, precisa de turistas e de investimentos", diz Simon Williams, principal economista do HSBC Middle East. "Este é um conjunto de desafios econômicos extremamente difícil de ser administrado por qualquer um, quanto mais um governo pós-revolucionário recém-eleito que se vê diante de expectativas elevadas."

Os sindicatos trabalhistas, que ajudaram a precipitar a queda de Mubarak e de Zine El Abidine Ben Ali, na Tunísia, estão pressionando os novos governos a melhorar as condições de trabalho e os salários. O resultado, nos dois países, tem sido um aumento das greves, enquanto as receitas com o turismo e os investimentos caem.

Os egípcios e tunisianos que esperam a criação de mais empregos dentro de um ano superam na proporção de quase quatro por um o número daqueles que preveem uma queda, segundo uma pesquisa sobre o Oriente Médio divulgada em março pela YouGov Plc e pela Bayt.com, uma página da internet de Dubai especializada em empregos. Os únicos lugares com níveis comparáveis de confiança foram o Qatar e a Arábia Saudita, respectivamente o país mais rico do mundo e o maior exportador de petróleo.

As expectativas da população representam "um desafio de comunicação maior do que qualquer outra coisa", afirma Ann Wyman, diretora-gerente do banco de investimento Maxula Bourse, de Túnis, a capital da Tunísia. "Sabemos que, em termos econômicos, não é possível resolver tão rapidamente o problema do desemprego."

A tarefa de atender essas expectativas está recaindo sobre os políticos muçulmanos. O partido Ennahdha lidera uma coalizão na Tunísia, após prometer em campanha a criação de 590 mil empregos até 2016, num país que tem uma população de aproximadamente 10 milhões de pessoas.

No Egito, a Irmandade Muçulmana domina o primeiro parlamento pós-Mubarak, controlando quase a metade dos assentos por intermédio do seu partido e aliados. O grupo prometeu criar empregos realizando mais investimentos que o governo anterior no setor industrial, na agricultura e na tecnologia da informação (TI). Ele também propôs ligar os subsídios ao setor industrial à criação de empregos. Os generais que assumiram o poder no lugar de Mubarak afirmam que vão transferi-lo para os civis após eleições presidenciais que deverão ser concluídas em junho.

Enquanto estava no governo, Samir Radwan, um dos quatro ministros das Finanças que o Egito já teve desde o começo da revolta, planejava criar empregos através de investimentos em infraestrutura apoiados por um empréstimo de US$ 3,2 bilhões do FMI. Ele perdeu o cargo em julho.

Radwan ainda defende essa política. Em uma entrevista concedida em 9 de março, disse que os investimentos deveriam começar "imediatamente" e que novas turbulências poderão ocorrer se a exigência da população de "liberdade e justiça social", que desencadeou a rebelião, não for atendida em breve.

A oposição aos empréstimos do FMI entre os generais que estão governando o Egito evaporou junto com as reservas internacionais do país, que caíram mais de 50% no último ano, enquanto o banco central amparava a libra egípcia. Atingindo US$ 15,7 bilhões, elas cobrem hoje pouco mais de três meses de importações. O Egito precisa de US$ 11 bilhões em financiamentos em dois anos, segundo o atual ministro das Finanças, Momtaz El-Saieed, que convidou uma delegação do FMI para conversar.

A Tunísia está tentando conseguir US$ 5 bilhões neste ano para cobrir um déficit no balanço de pagamentos que poderá chegar a 7% do PIB, disse o presidente do banco central tunisiano, Mustapha Kamel Nabli, em uma entrevista concedida em 27 de janeiro em Davos, na Suíça.

Para criar empregos para suas populações de jovens, as economias árabes precisam se integrar, segundo afirma um estudo publicado em dezembro por Adeel Malik, da Universidade Oxford, e Bassem Awadallah, um ex-ministro das Finanças da Jordânia. O estudo destaca as restrições à movimentação de investimentos, bens e populações através das fronteiras.

O resultado, num mundo árabe em que a população é de 350 milhões de pessoas, são os níveis "insignificantes" de comércio interno e mercados regionais que são "isolados uns dos outros e do resto do mundo", escreveram eles. Pode ser mais barato para uma companhia jordaniana importar do Reino Unido do que do vizinho Líbano, enquanto as "exigências de visto de viagem dentro da região podem ser às vezes tão incômodas quanto as próprias viagens".

Hisham Ahmed, 25, diz que encaminhou seu passaporte para a Embaixada da Líbia no Cairo em 2 de fevereiro, voltando para pegar seu visto 24 horas depois, conforme foi orientado. Em 5 de março ele ainda estava acampado do lado de fora do prédio, junto com dezenas de outras pessoas. Assim como Mohammed, o cabeleireiro, ele dorme em um pedaço de papelão. Muitos deles já trabalharam na Líbia.

A Líbia vem lutando para se recuperar de sua própria insurreição, que terminou no assassinato de Muamar Gadafi em outubro, após oito meses de combates. A região leste do país, que detém a maior parte das reservas de petróleo, está buscando a autonomia, o que aumentou as tensões com o governo central interino. Antes mesmo da revolta, a taxa de desemprego estava em 26%, segundo o FMI.

Nações do golfo Pérsico ricas em petróleo, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, também estão tentando criar empregos como uma válvula de segurança contra os protestos. Cerca de 27% dos sauditas entre 20 e 30 anos estavam desempregados em 2009. O rei Abdullah anunciou um plano de investimentos de US$ 130 bilhões no ano passado. O governo está encorajando as empresas a contratar habitantes locais, limitando as oportunidades para os árabes de nações mais pobres, como o Egito e a Tunísia.

Mas nem todo mundo nesses países está em busca de emprego no exterior. Mohamed Wahid, 24, fundou uma companhia de transporte de malotes no Egito, que permite aos clientes evitar o trânsito caótico do país. Wahid disse em uma entrevista que aumentou sua força de trabalho para 300 funcionários no ano passado e pretende contratar outros 1.200 até 2015.

"As pessoas não deveriam ter medo de arriscar e ampliar seus negócios, para lucrar mais e contratar mais pessoas", disse ele. "Se todo mundo ficar com medo, a economia entrará em colapso. É improvável que os investimentos estrangeiros entrem no país da maneira que queremos, no curto prazo, portanto precisamos ter investimentos egípcios."

O banco de investimentos tunisiano Maxula Bourse criou um fundo para desenvolver o interior do país. Foi alí que os protestos contra Ben Ali começaram, quando Mohamed Bouazizi, que vendia frutas e hortaliças na rua para ajudar a família, colocou fogo no próprio corpo. Mais de um ano depois de sua morte, e apenas três meses após tomar posse, o governo de liderança islâmica da Tunísia pode já estar vulnerável aos oponentes por causa da situação da economia e do desemprego, diz Ann Wyman do Maxula. Outra eleição parlamentar deverá ocorrer depois que a atual Assembleia elaborar uma constituição.

"Para os partidos que estão tentando derrotar o Ennahdha, esse pode ser o cenário que eles almejam", diz Wyman. "O Ennahdha terá dificuldade para cumprir suas promessas."

Essa não é uma perspectiva confortável para a Irmandade Muçulmana do Egito, uma vez que ela se prepara para assumir um papel maior no governo. O Parlamento está pressionando para que o gabinete do primeiro-ministro Kamal El-Ganzouri, nomeado pelos militares, seja substituído por uma administração liderada por políticos eleitos.

Seja quem for que assumir, terá de conquistar de novo a confiança de pessoas como Mohammed, Ahmed e os demais acampados do lado de fora da Embaixada da Líbia, à espera de vistos para sair do Egito. A pobreza e o desemprego mudaram a visão que eles tinham da revolução que apoiaram.

"Nada mudou", diz Mohammed. "Queremos sentir que temos direitos em nosso próprio país. Quem está se sentindo assim?", pergunta ele, dirigindo-se para as pessoas que estão ao seu redor. A maioria responde: "Ninguém!".