Título: BNDES abre espaço para megaprojetos
Autor: Durão, Vera Saavedra e Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2006, Finanças, p. C1

A capitalização feita pelo governo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), incluída na Medida Provisória (MP) da flexibilização cambial, vai aumentar o limite de empréstimos acumulados do banco dos atuais R$ 216 bilhões para cerca de R$ 270 bilhões. Com isso, a instituição ganhou um fôlego para emprestar quase R$ 100 bilhões acima do volume atual de seus ativos, que é de R$ 174,7 bilhões (dezembro/2005).

Com esse aumento de disponibilidade e também com a ampliação do limite de crédito por empresa ou grupo de cerca de R$ 6 bilhões para em torno de R$ 7,5 bilhões (25% do patrimônio de referência), o banco vai poder debruçar-se com mais celeridade sobre megaprojetos de insumos básicos e de infra-estrutura que estão em fase embrionária.

O diretor Financeiro do BNDES, Maurício Borges Lemos, destacou para o Valor o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, um projeto de US$ 6,5 bilhões, e o conjunto de hidrelétricas do rio Madeira como exemplos de empreendimentos que podem ser acelerados com a posição mais confortável que a capitalização trouxe para o banco.

Lemos disse que o BNDES já está discutindo com a Petrobras e com o grupo Ultra, sócios operacionais, como será sua participação no complexo petroquímico que deverá ter, além de financiamento, participação acionária. O projeto parte de uma refinaria com viés petroquímico para processar 150 mil barris por dia de petróleo pesado, tipo de óleo menos nobre, abundante na bacia de Campos (RJ).

A ela será acoplado um complexo de produção de resinas petroquímicas e de artefatos de plásticos. Previsto inicialmente para ser inaugurada em 2011, o complexo pode ficar para 2013, segundo o diretor de Relações com os Investidores do grupo Ultra, Fabio Schvartman. Programado para ficar no município de Itaboraí, no fundo da baía de Guanabara, o projeto estaria enfrentando problemas ambientais.

O outro projeto citado pelo diretor do BNDES é o das construções das hidrelétricas de Santo Antonio e Jiraú no rio Madeira (Amazônia), com capacidade para gerar 6.450 mil megawatts de energia elétrica. Considerado prioridade para evitar que o Brasil sofra problemas de abastecimento de energia elétrica, o projeto também enfrenta dificuldades ambientais.

O aumento da capacidade de crédito do BNDES com a sua capitalização está relacionado com o seu limite legal de alavancagem, que é de até nove vezes o valor do patrimônio de referência. O patrimônio de referência, por sua vez, é a soma do patrimônio líquido (PL) com uma figura contábil chamada de capital de segunda ou "quase capital", representada por passivos cujo pagamento do principal a instituição dificilmente terá que fazer. Esse capital de segunda linha pode fazer com que o patrimônio de referência chegue ao dobro do PL.

No caso do BNDES, o "quase capital", correspondente a metade do PL, vem dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), principal fonte de dinheiro novo para o banco e do qual ele só tem que devolver, ordinariamente, os juros. A direção do BNDES queria que o governo autorizasse o uso dos recursos do FAT para elevar o "quase capital" ao limite de 100% do PL, fazendo com que o patrimônio de referência chegasse a R$ 32 bilhões.

O governo optou por usar outro passivo do banco, débitos do Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS), um esqueleto do antigo Sistema Financeiro da Habitação que a União vem tirando aos poucos do armário e que teve parte de seus papéis repassados em 1997 ao BNDES em troca da transferência das ações da Companhia Vale do Rio Doce que iriam a leilão de privatização.

Esses débitos, que somam cerca de R$ 7 bilhões hoje, serão parcialmente transformados em títulos perpétuos do Tesouro, no limite de R$ 5,3 bilhões, para que o BNDES possa usá-los como capital de segunda linha, elevando assim seu patrimônio de referência dos atuais R$ 24 bilhões para quase R$ 30 bilhões. Com isso, a alavancagem passa de R$ 216 bilhões para cerca de R$ 270 bilhões.

O problema desses recursos do FCVS transformados em bônus perpétuo é que eles sairão mais caro para o banco do que os papéis originais. O BNDES vem remunerando o Tesouro pelos títulos com juros de 6,17% mais TR. A transformação em bônus perpétuo vai fazer o banco pagar pelos títulos juros equivalentes à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais um spread que está em negociação com o Tesouro Nacional.

Lemos disse que os juros totais deverão ser maiores do que os 6,17% mais TR e poderá superar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 7,5%. A TJLP é o custo dos recursos do FAT para o BNDES. "Conseguimos um 'funding' permanente, mas vai ter um custo", explicou o executivo.

Com a capitalização, já acertada informalmente com o Banco Central e em fase de acerto formal para caracterizar o FCVS como capital de nível 2, o BNDES vai procurar se compensar de alguma forma do movimento de descapitalização ocorrido nos últimos dez anos, quando o Tesouro chegava a ficar com até 95% do lucro do banco, como destacou o diretor financeiro.

Dados do BNDES informam que de 1997 a 2005, 67% em média do resultado do banco foram distribuídos ao Tesouro sob a forma de dividendos. Nesses anos, o ritmo de crescimento dos ativos do banco foi extremamente acelerado, enquanto a trajetória de crescimento do patrimônio líquido foi mínima, de quase estabilidade. Esta era a preocupação da direção da instituição de fomento, já que no começo dos anos 90 o banco tinha uma folga enorme nessa relação ativo/PL e ela foi ficando cada vez mais restrita. A idéia agora é trabalhar para recuperar tal situação.