Título: Ação contra o tabagismo
Autor: Khodr, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 25/10/2010, Brasil, p. 6

Organização Pan-Americana de Saúde vai monitorar estratégias da indústria do cigarro para tentar barrar medidas governamentais no combate ao fumo

Brasil, Uruguai e Canadá querem se unir para enfrentar as reações jurídicas das indústrias do tabaco contra programas e ações governamentais de saúde pela redução do consumo de cigarro. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) vai monitorar as estratégias da indústria tabagista que recorre à Justiça na tentativa de criar obstáculos ou se esquivar das políticas de saúde pública desses países. O Tratado Internacional de Controle do Tabaco, em vigor há cinco anos, conta com 168 países e por meio de medidas como proibir o fumo em locais fechados e restringir a publicidade de marcas de cigarro, já conseguiu fazer com que o consumo do produto fosse reduzido em grande parte das regiões.

Os debates para a criação de um tratado internacional pela saúde pública começaram em 1999 em uma das assembleias da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas a aprovação ocorreu apenas em 2003. O que motivou o nascimento do tratado foram os graves danos sanitários, sociais e econômicos decorrentes do consumo de tabaco. Na época, as mortes causadas pelo cigarro chegavam a 4,9 milhões por ano no mundo. Uma média diária de 10 mil mortes. A estimativa da OMS era de que se nada fosse feito para reduzir as estatísticas, o número passaria a 10 milhões de mortes por ano em 2030. A convenção estabeleceu uma série de recomendações que deveriam ser cumpridas pelos países que aderissem ao tratado internacional. Entre essas medidas está a redução da demanda e da oferta de produtos derivados do tabaco.

De acordo com a secretária executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco no Brasil, Tânia Cavalcante, o fenômeno da globalização envolveu também o comércio do cigarro e contribuiu para a ampliação do consumo e do número de mortes, sendo que 80% delas são registradas em países em desenvolvimento, que ainda não conseguiram seguir as recomendações propostas pelo tratado. Mas aqueles que se esforçaram em cumprir os compromissos firmados conquistaram melhores resultados: no Brasil, o consumo de cigarros passou de 32% em 1989 para 17% em 2008. ¿Por causa dessa redução significativa, as indústrias cigarreiras reagiram com medidas legais baseadas em determinações estabelecidas por acordos internacionais de comércio para confrontar as ações de saúde dos governos¿, conta.

Por meio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) tramitaram em 2008 no Brasil duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma sobre a lei que restringe a propaganda de cigarros aos pontos internos de venda e outra sobre a que proíbe o fumo em recintos coletivos. De acordo com Tânia Cavalcante, outros países também passam por reações similares, como o Uruguai e o Canadá. O diretor de assuntos corporativos da Phillip Morris Brasil, Maurício Jorge, explica que a empresa apoia uma regulamentação ampla e eficaz do setor, mas é contra qualquer medida que tenha como objetivo proibir que adultos fumantes possam comprar e fazer uso de produtos derivados de tabaco legais ou que imponha obstáculos desnecessários ao funcionamento do mercado legal de tabaco.

No Uruguai, foi determinado que 80% da superfície de embalagens de cigarro deveria ser coberta por advertências sanitárias e proibiu a comercialização de diferentes apresentações, como maços de cores distintas. A Phillip Morris discordou das medidas e alegou que as restrições impedem a exibição adequada das logomarcas.

Tratamento O Ministério da Saúde, por meio do Sistema Único de Saúde, oferece tratamento gratuito para quem deseja largar o cigarro. Por meio de inscrição feita em postos de saúde cadastrados, grupos de pessoas que compartilham do mesmo vício se encontram com assistentes sociais e psiquiatras para auxiliar o combate ao problema. É realizado um encontro por semana, durante um mês. Após avaliação, se necessário, o paciente recebe adesivos ou pastilhas de nicotina, ou até antidepressivos para o controle da ansiedade.

O estudante Frederico Costa, 24 anos, se inscreveu em maio deste ano no programa do governo, mas só essa semana foi procurado para dar início ao tratamento. ¿Fumo desde os 14 anos, e já tentei parar duas vezes, mas é um processo difícil¿, lamenta. A grande preocupação de Frederico é com a própria saúde e aponta a ansiedade como principal dificuldade para largar o vício. O porteiro Railton Santos, 48 anos, já está na última semana do tratamento. Ele recebe gratuitamente adesivos de nicotina e desde então conseguiu ficar sem o cigarro. ¿Fumava duas carteiras de cigarro por dia. O pigarro e a falta de ar são as coisas que mais me incomodam do vício¿, conta.

>> Restrição No Brasil, medidas similares são adotadas desde 1996 quando foi aprovada a Lei nº 9.294, que desde então sofreu uma série de modificações impondo, a cada alteração, mais restrições sobre consumo e comercialização de produtos derivados do tabaco.

O avanço da legislação federal

1986 Criação do Dia Nacional de Combate ao Fumo - 29 de agosto.

1988 Recomendação de medidas restritivas ao fumo nos ambientes de trabalho.

1990 Proibição da venda de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica a crianças ou aos adolescentes.

1995 Recomendação às emissoras de televisão que evitem a transmissão de imagens em que apareçam personalidades conhecidas do público fumando.

1996 Proibição do uso de cigarros em recinto coletivo privado ou público. Permissão de fumódromos, áreas destinadas exclusivamente ao fumo, devidamente isoladas e com arejamento conveniente.

1998 Determinação de que a publicidade de tabaco estará sujeita a restrições legais e conterá advertência sobre os malefícios do tabagismo; que a comercialização de cigarros no país seja feita exclusivamente em maços que contenham vinte unidades; e que os cigarros, quando exportados para a América do Sul e América Central, fiquem sujeitos à incidência do imposto de exportação à alíquota de 150%.

1999 Criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela regulamentação, controle e fiscalização dos cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco.

2000 Proibição do uso de produtos fumígenos em aeronaves e demais veículos de transporte coletivo e da participação de crianças e adolescentes na publicidade de produtos derivados do tabaco. Restrição da publicidade à afixação de pôsteres, painéis e cartazes na parte interna dos locais de venda, proibindo-a em revistas, jornais, televisão, rádio e outdoors. Proibição da propaganda por meio eletrônico e merchandising. Proibição da propaganda em estádios, pistas e palcos e do patrocínio de eventos esportivos nacionais e culturais.

2001 Determinação de que o material de propaganda e as embalagens de produtos fumígenos derivados do tabaco contenham advertências acompanhadas de imagens que ilustrem o seu sentido. Estabelecimento dos teores máximos permitidos de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono presentes na corrente primária da fumaça dos cigarros comercializados no país, para no máximo 10 mg/cig, 1mg/cig e 10 mg/cig, respectivamente. Proibição da utilização, em embalagens ou material publicitário, de descritores que possam induzir o consumidor a uma interpretação equivocada quanto aos teores contidos nos cigarros. Determinação de que fica vedada a concessão de crédito público relacionado com a produção de fumo, no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf), em regime de parceria ou integração com a indústria do tabaco.

2002 Proibição da produção, importação, comercialização, propaganda e distribuição de alimentos na forma de cigarros, charutos ou cigarrilhas. Proibição do uso de embalagens de alimentos que simulem as embalagens de cigarros ou que utilizem nomes de marcas pertencentes a produtos derivados do tabaco.

2003 Proibição da venda de produtos derivados do tabaco na Internet e em órgãos ou entidades da Administração Pública. Proibição do patrocínio de eventos esportivos internacionais por marcas de cigarros. Determinação da impressão das seguintes frases nas embalagens dos produtos derivados do tabaco: ¿Venda proibida a menores de 18 anos - Lei 8.069/1990 e Lei 10.702/2003¿ e "Este produto contém mais de 4.700 substâncias tóxicas, e nicotina que causa dependência física ou psíquica. Não existem níveis seguros para consumo destas substâncias". Criação da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos.

2004 Aprovação do Programa Gerador da Declaração Especial de Informações Fiscais relativas à tributação dos cigarros (DIF ¿ Cigarros), que permite à Receita Federal um maior controle das empresas instaladas e aquelas em fase de instalação no país, no que se refere ao registro, à distribuição, à exportação e à importação de cigarros, bem como à arrecadação tributária.

2005 Aprovação do texto da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, assinada pelo Brasil, em 16 de junho de 2003.

2006 Instituição do grupo de trabalho para a implementação do programa ¿Ambientes Livres de Fumo¿, que visa capacitar profissionais de vigilância sanitária para a fiscalização da legislação vigente. E estabelecimento das alíquotas de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os cigarros.

2007 Obrigação aos fabricantes de cigarros a instalarem equipamentos contadores de produção e que permitem o controle e rastreamento dos produtos em todo o território nacional, possibilitando a identificação legítima da origem do produto e reprimindo a produção e importação ilegais, bem como a comercialização de contrafações. Instituição da comissão para promover a internalização da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco no âmbito do Sistema Único de Saúde (CIMICQ). Elevação da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre cigarros.