Título: Avanços em meio a desavenças na relação entre Brasil e EUA
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2012, Opinião, p. A16

Na foto do encontro, nesta semana, entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente Barack Obama, ela não parece muito contente. Ele sonegou à visitante não só a homenagem de um jantar na Casa Branca, como o apoio a um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a promessa de vir ao país para a Rio+20 ou boas-novas sobre a compra de aviões da Embraer e importação de carne bovina. Dilma criticou a política monetária americana, ao lado de Obama. Mas é um erro avaliar a relação entre Brasil e EUA por suas muitas desavenças.

Obama apresentou Dilma como "minha boa amiga" e desfiou elogios à "incrível" liderança da brasileira. Dilma exibiu uma discreta torcida pela reeleição do americano ao dizer que espera melhorias econômicas nos EUA sob a liderança de Obama "nos próximos anos". Nenhum dos dois presidentes deve ter saído muito satisfeito do encontro; mas ambos puderam comemorar avanços reais na relação bilateral.

A ênfase conferida por Dilma e Obama ao programa Ciência sem Fronteiras, que poderá enviar 20 mil estudantes brasileiros a instituições nos EUA, merece elogios, pelo potencial de aproveitar a cooperação no que os EUA têm de melhor: geração de conhecimento.

Os resultados mais visíveis da visita foram o acordo que reconheceu a cachaça como produto legitimamente brasileiro e o compromisso dos governantes de se esforçar mais seriamente pelo objetivo esboçado em 2011 de eliminar a exigência de vistos para viajantes entre os dois países. A grande variedade de iniciativas listadas no balanço do último ano de relações entre EUA e Brasil mostra, no entanto, que avanços anteriores, de lado a lado, abriram enorme campo de cooperação entre governos e setor privado, que já começou a ser explorado.

A Petrobras e o Ministério de Minas e Energia têm recebido acesso a informações classificadas sobre acidentes no Golfo do México, úteis ao governo brasileiro para lidar com os possíveis derramamentos que podem ocorrer na atividade petrolífera. Cientistas brasileiros ganharam acesso a exclusivos fóruns de discussão, em temas de ponta como nanotecnologia. Citadas na declaração conjunta, há iniciativas de forte significado, pouco divulgadas, como a ação dos dois países no esforço com a Bolívia para reduzir suas plantações de coca. Os governos têm, ainda, estreitado a colaboração em matéria de Defesa, com visitas constantes e trocas de informações sensíveis entre as Forças Armadas americanas e brasileiras.

Como demonstração de boa vontade ou atendimento aos próprios interesses, os EUA eliminaram em 2011 a sobretaxa ao etanol do Brasil, facilitaram a emissão de vistos de entrada a brasileiros e mantiveram o país no SGP (sistema que reduz imposto de importação na venda de produtos brasileiros ao mercado americano). Apesar das gentilezas e resultados práticos, porém, dois problemas cobram solução: os EUA apontam dificuldades em aceitar o Brasil verdadeiramente como potência global; e o comércio bilateral, embora apresente números vistosos, é insatisfatório.

"Não há razão para que os EUA continuem favorecendo a Índia em detrimento do Brasil", escreveu o presidente emérito do Interamerican Dialogue, Peter Hakim, grande conhecedor da relação entre os dois países, em artigo prévio à viagem de Dilma, no qual defendeu que Obama, como fez para a Índia, apoiasse o Brasil para o Conselho de Segurança das Nações Unidas e firmasse um acordo de cooperação em matéria de energia nuclear. Para o especialista, os dois governos parecem conformados em tolerar e acomodar um ao outro, sem investir em uma relação mais respeitosa de parceria na esfera internacional. Difícil é mudar esse quadro.

No comércio, o que salvou as exportações brasileiras aos EUA de um fiasco no ano passado foram as vendas de petróleo, que somaram mais de 27% do total. Mas há maior esperança nesse campo. O grande escopo dos projetos de cooperação, de energia a biotecnologia, pode estimular investimentos e trocas de mercadorias. Dilma anunciou, ainda, missões aos EUA para explorar o comércio em setores de ponta no país, um dos mais abertos do mundo. Queixar-se das barreiras à carne ou ao suco de laranja é ignorar que falta ao governo e setor privado o dever de casa para aproveitar o que, mesmo com o dólar desvalorizado, é ainda um mercado com poucos rivais no globo.