Título: Captações externas têm retração de 37,5% no ano
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2004, Mercado Financeiro, p. C1

O risco-Brasil atingiu recorde de baixa, mas o país captou menos recursos no mercado externo neste ano. Segundo levantamento feito pelo Valor, o total obtido no exterior em operações de mercado - que inclui os empréstimos sindicalizados, com a participação de vários bancos, e os diversos títulos de renda fixa - somou US$ 16,524 bilhões, uma queda de 37,5% na comparação com os US$ 26,429 bilhões captados no ano passado. Na comparação com os US$ 14,755 bilhões de 2002, no entanto, ano da crise eleitoral, o total obtido no exterior cresceu quase 12%. Diferentemente do que aconteceu em 2002, o baixo volume de captações internacionais neste ano se deveu não a uma falta de apetite do investidor ou do banco internacional em emprestar ao Brasil, mas sim a um desinteresse de empresas e bancos em fazer dívida em dólar. "Hoje há uma disponibilidade absurda de linhas de crédito dos bancos internacionais", define Ernesto Meyer, responsável pela área de financiamentos estruturados do BNP Paribas. Com tanto dinheiro disponível, os empréstimos sindicalizados até mostraram ligeira recuperação de volume neste ano, subindo de US$ 2,652 bilhões em 2003 para US$ 3,621 bilhões, uma alta de 36,5%. Mas ainda estão longe dos US$ 10 bilhões de 2001. Os bancos internacionais aumentaram sua exposição ao Brasil e novas instituições voltaram ou apareceram no mercado. Mas a demanda das empresas por financiamento não subiu na mesma proporção - pelo contrário, até caiu. Houve uma verdadeira guerra de preços nos empréstimos bancários e as instituições financeiras, no desespero para fazer ativos, passaram a fazer empréstimos bilaterais de volumes altos para as empresas de primeira linha. Em novembro, por exemplo, a Companhia Brasileira de Alumínio tomou empréstimo de US$ 90 milhões, pelo prazo de três anos, de só um banco: o BankBoston. Os empréstimos sindicalizados, com a participação de mais de um banco, só se justificaram em operações maiores. Mas, mesmo volumes consideráveis passaram a ser emprestados por apenas dois bancos, nos chamados "club deals": a Votorantim Celulose e Papel pagou 2% sobre a Libor (taxa interbancária de Londres) em empréstimo de US$ 300 milhões fechado em maio com prazo de vencimento em sete anos. O que impressiona é que todo o volume de recursos ficou no balanço de apenas dois bancos, o ABN AMRO e o Santander.

O desinteresse por empréstimos de volume maior se deveu também às exportações recordes, com os preços das commodities em alta. As maiores empresas ficaram com sobra de caixa, que foi usada para quitar dívida externa que venceu ao longo do ano. Muitas, como a Vale do Rio Doce, pagaram débitos externos antecipadamente. "O custo da dívida em dólar se tornou mais alto do que os possíveis ganhos de uma aplicação do caixa", comenta Luiz Paixão, diretor de renda fixa internacional do Banif Primus. Captar em reais se tornou mais barato de que captar em dólar, por causa do alto custo do hedge (proteção financeira) contra oscilações do câmbio, o que levou muitas empresas a trocaram dívida externa por interna. "Quem captava no exterior para aplicar no Brasil e ganhar a diferença dos juros parou", continua Paixão. O cupom cambial (juros dos investimentos indexados ao dólar no mercado interno) ficou o ano todo abaixo do custo de captação em dólar, impossibilitando a arbitragem financeira e tornando o hedge caro. O resultado foi um tombo no total captado com títulos de renda fixa: de US$ 23,778 bilhões para US$ 12,9 bilhões. A queda foi de 45,8%. É verdade que, depois de começar bem o ano, o mercado levou um susto com a possibilidade de alta maior do que a esperada nos juros americanos e com a crise política do então chamado "caso Waldomiro". Mas, passado o susto nos EUA e retomada a votação das reformas defendidas pelo mercado, a liquidez voltou com força para o Brasil e todos os mercados emergentes. Do terceiro trimestre em diante, o Brasil teve sua nota de crédito elevada pelas principais agências de rating: a Moody's, a Standard & Poor's e a Fitch. A oferta de dinheiro para investir em papéis brasileiros foi tão forte que empresas médias e bancos médios e pequenos conseguiram acessar o mercado tranqüilamente, até que a intervenção do Banco Central no Banco Santos paralisou esse segmento. Muitas instituições financeiras pequenas e médias adiaram suas captações externas. "O futuro desse tipo de mercado depende da saída que o Banco Central dará ao Banco Santos", acredita Carlos Gribel, sócio-diretor da Eurovest Securities. Hoje, os investidores com medo de não receber seus recursos deixaram de comprar títulos de nomes menos conhecidos no exterior. Mas a demanda continuou forte para os demais emissores. Os investidores externos saíram em busca de juros mais altos e apostaram contra o dólar comprando US$ 377 milhões em títulos denominados em reais do Banco Votorantim, Real ABN AMRO, Bradesco, Unibanco e Banco do Brasil. Também um emissor não-brasileiro, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), emitiu o equivalente a US$ 262 milhões em reais, sendo US$ 73 milhões indexados ao IGP-M. O Tesouro Nacional, no entanto, não fez a sua tão esperada captação em reais, que deve ficar para janeiro. No total, em 2004 a República captou US$ 5,721 bilhões, 2,6% a menos do que os US$ 5,877 bilhões de 2003. Mas a participação no total captado cresceu pela primeira vez desde 2000, de 24,7% em 2003 para 34,6% em 2004. Para 2005, o total de captações externas do mercado vai depender principalmente do volume de investimento direto na economia, diz Meyer. É no mercado externo que as empresas podem obter os volumes maiores de recursos e os prazos mais longos necessários para investir. A tendência é de as emissões em reais ganharem força, acredita Paixão.