Título: Petrobras põe fim à trégua com os estaleiros do país
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2012, Empresas, p. B7

A nova presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, que assumiu o cargo há pouco mais de um mês, deixou claro em entrevista ao Valor que pôs um fim à sua trégua com os estaleiros, aos quais a estatal tem encomendas de navios, sondas e plataformas. O principal alvo da executiva à frente da empresa, onde está há 32 anos, é atingir a meta de produção de petróleo, em 2020, de 6 milhões de barris por dia. A entrevista de Graça Foster ao jornal foi feita antes da decisão da saída da companhia coreana Samsung da associação no Estaleiro Atlântico Sul (EAS) com Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. A executiva teve reunião com a fabricante coreana na quarta-feira, na sede da companhia, e, na sua opinião, ou a Samsung tinha uma participação expressiva no EAS ou não fazia sentido ficar apenas na associação com apenas 5%, 6% ou 10%.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Valor: A Petrobras é criticada por descumprir as próprias metas de produção. Porque esse atraso?

Maria das Graças Foster: Nós estamos fazendo o que é previsível e, é um fato, a revisão do plano de negócios todos os anos. O plano de negócios termina e, em seguida, está sendo avaliado novamente. É nesse processo que nos encontramos. Na próxima semana vamos terminar toda a análise de 2012. Estamos pegando o plano de E&P [exploração e produção], abrindo completamente, olhando o que é eficiência operacional e começando a abrir [os números] como se fosse uma cebola, em cascas.

Valor: Há alguma boa notícia na área de produção?

Graça Foster: O que tem de muito bom acontecendo em 2012 é que começamos o ano com 16 sondas de perfuração operando. Ao longo de 2011 chegaram 10 sondas. Ao todo, são 26 sondas. E este ano chegarão mais 14 sondas, totalizando 40 [encomendadas].

Valor: A senhora pode falar sobre a visita que fez ao estaleiro EAS?

Graça Foster: Posso falar daquilo que cabe à Petrobras. Não posso falar das empresas porque não seria ético. Na quarta-feira, a Samsung [acionista do EAS, com 6% ]esteve aqui o dia inteiro reunida conosco.

Valor: A presidente Dilma pediu para a senhora auxiliar na negociação entre os sócios?

Graça Foster: Não recebi da presidenta nenhum pedido para tratar desse assunto. Como controlador desta empresa [Petrobras], o governo quer que a gente cumpra metas de produção, de refino, em relação ao etanol. Para produzir 6 milhões de barris de petróleo por dia [em 2020], tenho que resolver problemas de estaleiro. Nós contratamos a Sete Brasil e eu não vou ficar esperando a empresa resolver problemas que são muito maiores do que ela, pois sei de um problema que é claro de desempenho, abaixo da expectativa do mercado, por parte do Estaleiro Atlântico Sul.

Valor: E por que aconteceu?

Graça Foster: Porque não adianta sonhar, sonho não constrói sonda. Tem duas empresas brasileiras que têm tradição, empresas de envergadura que são Camargo Corrêa e Queiroz Galvão e outra empresa espetacular, a Samsung, que produziu o maior número de sondas de perfuração do mundo. Não adianta vir com 5%, 6% ou 10% [de participação societária] para o Brasil. Isso não funciona, não prospera. Não será possível fazer se a Samsung não crescer em participação societária. Não se pode imaginar que a Samsung, que tem um mercado lá fora que é todo dela, vem para cá com 6%. Ou ela vem para cá gostando do Brasil, dos sócios e de fazer dinheiro aqui... Eu, como não sou a Samsung, só posso dizer que acho que não viria por 5% ou 10%.

Valor: Qual é a solução?

Graça Foster: Que venha e cresça em participação societária e é isso que a gente espera.

Valor: E já há acordo?

Graça Foster: Eles estão discutindo o acordo. Nessa discussão, a Graça só fica olhando e provocando para que eles discutam.

Valor: Mas o acordo seria para a Samsung assumir o controle acionário?

Graça Foster: Não é assumir o controle. Até onde eu sei, veja bem, eu não tenho os detalhes porque eu não sou parte desse jogo, nem a Petrobras nem a Sete Brasil. Então, o que eu faço é [perguntar] se já teve a reunião com a Samsung. Se não teve, chamo a Samsung. Eu esperava que o seu CEO [da Samsung] viesse. Não veio? Veio quem? O vice? Então vamos conversar. Chego, vejo reunião morna entre Petrobras e Samsung e aí digo: "não vai embora não, vou chamar a Sete Brasil, vou chamar as duas empresas para sentarem". Aí saio da sala porque não sou sócia. Depois da reunião, volto para saber quando vai ser o novo prazo.

Valor: Poderia ser um terço de participação cada um?

Graça Foster: Poderia, mas não sei se será assim. Só sei que do jeito que está não sai sonda.

Valor: Para a Petrobras há um atraso no contrato das primeiras sete sondas com o EAS?

Graça Foster: Parece que não, porque a primeira sonda está prevista para 2015 e como a Sete Brasil tem uma estratégia de contratação já contratou outras sondas, então ela insiste e a gente não tem porque não acreditar, até agora, que vai nos entregar em 2015 a primeira sonda.

Valor: Quando a Petrobras assina contratos das sondas com a Sete Brasil e com a Ocean Rig?

Graça Foster: Aí é diferente. Quero ver onde vai construir, quem são os sócios que estão lá. Eu vou assinar com a Sete Brasil, mas saberei o que estou assinando. Vou assinar porque estou vendo que essas três [sondas] vai fazer ali, duas aqui. Não é ali no meio do mato, sem plano.

Valor: Como vai ficar isso?

Graça Foster: Terão de fazer.

Valor: Alguns dos estaleiros ainda não existem.

Graça Foster: Não tem problema não existir, não pode é não ficar existindo por muito tempo. Os projetos têm um tempo. Não há problema de o estaleiro ser virtual. Só vai ter assinatura de contrato na hora em que a Sete Brasil demonstrar por A mais B mais C mais D mais E que vai construir ali e que aquele estaleiro tem toda a condição de receber a encomenda porque tem um plano B, um plano C. Então a pressão junto à Sete é verdadeira. Não fui nomeada pela presidente [neste assunto]. A presidente me cobra meta e segurança operacional.

Valor: As sondas no Brasil serão construídas com custo em bases internacionais?

Graça Foster: Não tem no contrato com a Sete Brasil, nas sete primeiras [unidades], espaço para aumentar de preço. Se aumentar, está na conta da Sete.

Valor: Qual é o tempo de atraso das sondas?

Graça Foster: Essas sondas atrasaram 36 meses no total e não tem nenhuma brasileira. São todas feitas no exterior. A Petrobras pode fazer um trabalho na frente de que essas sondas vão funcionar este ano. E vão trazer grandes resultados a partir de 2013 e 2014. Depois, vem as unidades de produção. Começamos 2011 com 111 unidades e chegaram mais duas, depois chegaram mais cinco, e este ano, mais duas. Ao final de 2013, teremos 127 unidades de produção. Então teremos as sondas de perfuração, as sondas de produção e o óleo descoberto. Não tem como dar errado.

Valor: Mas trata-se de um atraso de três anos.

Graça Foster: Não é atraso de três anos. É atraso de 36 meses. Uma sonda atrasou três meses, outra cinco meses, outra quatro. Quando soma, tem 36 meses no conjunto. Este ano temos planejamento para fazer 42 poços e estão em harmonia com a chegada das sondas.

Valor: Dá para dizer que atrasou o pré-sal?

Graça Foster: Atraso do pré-sal não. Mas essas sondas que atrasaram 36 meses causam impacto na carteira toda. Você tem recursos e movimenta esses recursos em direção ao que há de maior volume potencial de produzir. Não há correlação direta: atrasou a sonda, atrasou o pré-sal.

Valor: A queixa é que a empresa gasta demais e não produz. Aí vem um outro tema, que é o preço cobrado dos combustíveis. O preço interno inferior ao internacional não é um problema?

Graça Foster: A Petrobras tem um plano de negócios, um pré-sal pela frente, um plano de refino, de novas refinarias, uma série de compromissos já iniciados no que se refere ao investimento e a construção dos ativos. A Petrobras investe US$ 225 bilhões [até 2015], olha para dez anos à frente e para 2020 com uma meta de produção de 6 milhões de barris de óleo equivalente [por dia] ou 4,67 milhões de barris de óleo líquido de gás [por dia]. O fato é que o nosso investimento é de longo prazo e a política de preços também é de longo prazo.

Valor: Qual o benefício?

Graça Foster: Entendemos que é bastante favorável que esse mercado novo vingue. Essas refinarias, no passado, eram todas para a exportação. E reverteu o quadro por conta da inclusão social, da fatia nova de consumidores. Temos noventa e tantos por cento do consumo de gasolina e de diesel no país. Produzimos e consumimos aqui. Temos a produção doméstica, as refinarias e o consumidor aqui. O custo de logística é mínimo comparado com o custo de colocar [os derivados ou petróleo] em um mercado que está a cinco mil milhas e que tem outros ofertantes.

Valor: E as perdas?

Graça Foster: O nosso investimento é de longo prazo, o resultado é de longo prazo e a política de preços também. Esse mercado novo, que cresce em torno de 40% a 50% - essa é a projeção para até 2020 -, é muito interessante. Estados Unidos, Japão e Coreia não ficam dependentes em mais do que 10% da importação de líquidos. No caso da Petrobras, se não tivéssemos esse parque de refino, estaríamos com 40% de importação de derivados e exportando mais petróleo com a volatilidade contra nós na exportação e na importação.

Valor: Mas, e as perdas?

Graça Foster: O que acontecem são perdas reais em determinado mês, em determinado trimestre, como aconteceu no último trimestre de 2011, quando a gente importou muito mais derivados e não teve a paridade exata de preços com o mercado interno. Agora, esse mercado novo para nós é muito valioso. Então, neste mês perdemos, no [quarto] trimestre nós perdemos, mas no conjunto do ano tivemos o segundo melhor resultado da Petrobras - o melhor foi o de 2010 e o de 2011 foi R$ 3 bilhões menor no resultado líquido. Além do que, em 2008, 2009 e parte de 2010 estávamos vendendo mais caro aqui do que estava lá fora. O que queremos é que haja estabilidade econômica, que esse mercado cresça. Em determinado momento vamos ter que ajustar, isso é inexorável. Estou dizendo com todas as letras que vai ter de ajustar em determinado momento.

Valor: Em que momento?

Graça Foster: O momento será aquele necessário para não perdermos a capacidade de investir. O mercado cresce e vai chegar um certo momento em que vai aumentar o preço e ficar mais caro aqui do que lá fora. Não sei que momento é esse, se é em três anos ou daqui a dois ou um. Então, vamos estar com um volume maior que é todo nosso e vou ganhar esse dinheiro de volta.

Valor: O conteúdo nacional é uma política do governo, mas há preocupações com aumentos de custos. Como a sra. vê esse assunto, que é muito sensível, dado o tamanho das encomendas?

Graça Foster: O que me preocupa não é a questão do conteúdo nacional. Todos os números foram apresentados pela Petrobras ao governo. Então não me venha chorar que não dá [para cumprir os compromissos], porque foi você [a empresa] que levou o número. Digo isso porque já estive do lado de lá. Eu montei, com a colaboração da Petrobras, o primeiro Prominp [Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural]. José Eduardo Dutra [diretor da estatal] era presidente da Petrobras, a presidenta Dilma, ministra de Minas e Energia, e, eu, secretária de petróleo e gás [do Ministério de Minas e Energia]. Foi feita uma conta e foi apresentada ao governo 60%, por exemplo, para o conteúdo local de uma sonda de perfuração. O número que é fechado é de total e absoluta responsabilidade da Petrobras, foi a Petrobras que concordou.

Valor: E outras operadoras também.

Graça Foster: E outras tantas operadoras.

Valor: Há entre as empresas quem diga que achava que conseguiria cumprir o conteúdo local, mas não tinha certeza.

Graça Foster: O que havia talvez fosse a possibilidade de que o governo recuasse, mas o governo não vai abrir mão, é política de governo. Acontece na Noruega e em tantos países defender que a indústria de petróleo e gás passe também pelo desenvolvimento da indústria de bens e serviços. Existe uma questão fundamental que cada empresa tem que cuidar que é documentar porque o dia vai chegar. Vai chegar o dia em que [a empresa] terá que ir lá provar [na ANP] que fez o conteúdo local.

Valor: Mesmo que onere custos?

Graça Foster: As 40 sondas que comentei foram feitas fora e estão em valores de mercado. E a gente só assina o contrato [com Sete Brasil e com Ocean Rig ] se o preço estiver dentro das métricas internacionais porque não tem como contratar com valor maior.

Valor: E a questão dos minoritários no conselho de administração. Como a senhora vê a reclamação?

Graça Foster: É algo que a Petrobras não tem poder. Vejo os minoritários tomando posição a favor da companhia no entendimento deles, das melhores práticas [de gestão], das questões de mercado. Vejo com satisfação o movimento a favor da companhia no sentido de observá-la, de participar mais dedicadamente da gestão da companhia através de seu representantes de ações ordinárias e preferenciais. Mas deixo claro, conheço o Josué [Gomes da Silva, presidente da Coteminas, cuja indicação vem sendo criticada], ele é um excelente quadro técnico. Antes de vocês chegarem, eu estava usufruindo do conhecimento do conselheiro [Jorge] Gerdau. Conversamos sobre Petrobras, sobre a indústria. É fantástico ter o minoritário participando da minha vida, de minha gestão, dando ideias.

Valor: Mas há insatisfação dos minoritários em relação a sua representação...

Graça Foster: É algo que não tenho que opinar, é sobre o processo de eleição.

Valor: Quando vão anunciar o plano de desinvestimento?

Graça Foster: Esse ano tem uma programação relevante de desinvestimento. Não posso falar, mas posso dizer que inclui "farm-outs" [venda de participações em campos de petróleo].

Valor: A Argentina está cobrando mais investimentos da Petrobras nas operações locais?

Graça Foster: A reunião acho que será na semana que vem. Eu ainda não sei qual é a agenda. Não vamos investir mais para perder, mas para ganhar, então tenho que conhecer as regras. A depender das regras, a gente pode se interessar mais ou menos pelo negócio.