Título: Distribuidor teme perda de receita com mudança na tarifa
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2006, Brasil, p. A3

As distribuidoras de energia elétrica acenderam o sinal amarelo com as propostas de mudança do mecanismo de revisão tarifária. A cada quatro anos, todas as empresas do setor submetem suas planilhas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para verificar se os reajustes de tarifas aplicados anualmente foram capazes de manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. em resumo, a Aneel calcula a receita necessária para a cobertura dos custos operacionais e a remuneração dos investimentos.

De 2003 a 2005, a receita nominal das companhias passou de R$ 49,6 bilhões para R$ 60,8 bilhões. Durante esse período, todas as distribuidoras (com exceção de uma) passaram pelo processo de revisão tarifária que resultou em aumentos na imensa maioria dos casos. O ganho de receita - de R$ 11,2 bilhões - foi pago pelos consumidores, na forma de aumento nas contas de luz. Mas nem sempre é assim. De 61 distribuidoras submetidas à revisão, sete tiveram tarifas reduzidas no processo de revisão.

O que deixa os executivos do setor preocupados é que, agora, terminado esse primeiro ciclo de revisões tarifárias, a Aneel divulgou propostas para fazer mudanças importantes na metodologia do segundo ciclo. Se essas mudanças forem feitas sem ajustes, alertam representantes das concessionárias, os investimentos não serão reconhecidos adequadamente pela agência reguladora e as receitas crescerão menos do que seria justo, prejudicando o balanço das distribuidoras. Para os consumidores, a preocupação é a contrária: que os fatores que definem o percentual da revisão tarifária elevem demais as contas de luz - levando à perda de competitividade, no caso das indústrias, por exemplo.

Na quarta-feira passada, uma audiência pública reuniu mais de 200 executivos no auditório da Aneel. Representantes de grandes indústrias consumidoras de energia - como Aços Villares, Fosfértil e Associação Brasileira do Aluminínio (Abal) - também registraram suas contribuições. Um dos pontos mais polêmicos foi o nível de inadimplência que deve ter uma "empresa de referência" do setor, segundo conceitos da Aneel.

O órgão regulador sugere o índice de 0,2% como provisão de inadimplência regulatória calculada sobre o faturamento bruto da distribuidora, sem o ICMS. Esse índice não é para cobrir o atraso eventual no pagamento das contas, mas as "perdas irrecuperáveis". A agência tenta estimular as concessionárias a combater a inadimplência para reduzir a conta dos consumidores que pagam as contas em dia.

As distribuidoras concordam com a teoria, mas reagiram ao índice de 0,2%. "Esse valor está descolado da realidade brasileira", contestou Solange Ribeiro, diretora de regulação do Grupo Neoenergia. Segundo ela, uma das distribuidoras do grupo, com 400 mil consumidores, tem 33 mil sujeitos a corte no fornecimento.

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) endossa a crítica. Levantamento da entidade mostra o percentual do faturamento bruto que, após 15 a 18 meses do lançamento das faturas, as concessionárias não conseguem recuperar entre 0,6% a 4,5% do total, segundo Fernando Maia, diretor-técnico da Abradee. Nem as mais eficientes atingiram a meta sugerida pela Aneel.

A agência reguladora também pretende incluir na nova metodologia da revisão tarifária uma meta para o combate ao furto de energia. O não-cumprimento poderá acarretar desvantagens no momento de calcular a revisão das tarifas. No primeiro ciclo das revisões, uma amostra da Aneel constatou perdas técnicas de 8,1% e não-técnicas de 5,6%. As perdas técnicas se referem à quantidade de energia dissipada entre a distribuição e o consumidor. As não-técnicas são, simplificadamente, erros de medição e furto.

O representante da Celpe, Fabiano Carvalho, reclamou que os investimentos feitos em ações de combate às perdas não foram considerados. "É preciso considerar na tarifa os custos e investimentos adicionais para a manutenção das perdas em níveis eficientes", afirmou Carvalho. A Ampla, ex-Cerj, deu uma noção do tamanho do problema. De 1997 a 2006, investiu R$ 1,2 bilhão em combate a perdas, mas o índice diminuiu só quatro pontos percentuais, de 25,4% para 21,1% no período.

Outra briga se refere à correção da base de remuneração dos ativos das distribuidoras. A proposta da Aneel sugere manter a metodologia original e adotar o IGPM. Há especialistas, como Afonso Henriques Moreira Santos, ex-secretário de Energia no governo Fernando Henrique e hoje professor da Universidade Federal de Itajubá, que contestam o índice. Para ele, seria mais correto adotar itens do Índice de Preços do Atacado (IPA) e partes do Índice Nacional de Construção Civil (INCC), ambos da FGV. Para o ex-secretário, eles refletem melhor a evolução de custos do setor elétrico e podem remunerar mais adequadamente os investimentos.

Do lado dos clientes, principalmente as grandes indústrias, um fator de preocupação é a exclusão do índice de satisfação do consumidor do chamado "fator X". Ele é uma espécie de meta de produtividade imposta pela Aneel, levando em conta os ganhos de eficiência obtidos nos anos anteriores, e geralmente traz descontos que beneficiam os consumidores.

Até agora, um dos componentes do fator X era uma pesquisa anual da Aneel com consumidores de todo o país. Estabelecia-se uma nota de corte, e se a distribuidora ficasse abaixo dela, em tese, era um sinal de que seus consumidores estavam insatisfeitos e, portanto, deveriam receber um desconto adicional nas contas de luz. Agora, a Aneel sugeriu a retirada da pesquisa no cálculo do fator X.

O Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) se opõe frontalmente. "Enquanto não houver um mecanismo que reflita melhor o grau de satisfação dos consumidores com os serviços prestados pelas concessionárias, o IASC (Índice Anual de Satisfação do Consumidor) não pode ser retirado do fator X", disse Cláudio Lindenmeyer, do IBS.

Diante de tantas posições antagônicas, o trabalho da Aneel dificilmente conciliará todos os interesses. As áreas técnicas da agência vão finalizar as suas análises no dia 29. As minutas de resolução serão divulgadas em 14 de setembro. Uma decisão final é aguardada para a última semana de setembro. O diretor-geral Jerson Kelman garante que a Aneel não tem posição fechada sobre nada e vai considerar todas as contribuições. Para ele, o mais importante é garantir a estabilidade das regras e, principalmente, não fazer com que as decisões de agora contaminem as contas antigas das distribuidoras.