Título: TCU vê falhas graves na vigilância sanitária
Autor: Basile, Juliano e Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2006, Brasil, p. A4

O Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu relatório que pode trazer graves implicações ao comércio internacional do Brasil. Em um documento de 83 páginas, auditores do tribunal comprovaram a existência de sérias falhas na vigilância do trânsito de produtos agropecuários no país. Como principais constatações das falhas, o TCU aponta a falta de pessoal para fiscalizar portos, aeroportos e postos de fronteira. Também vê precariedade na infra-estrutura de laboratórios e salas de análise dedicados a impedir a entrada de pragas e doenças. E, além disso, o governo não consegue gastar todo o dinheiro previsto no Orçamento para vigiar a exportação e importação.

Aprovado pelo plenário do TCU na quarta-feira, o documento obtido pelo Valor pode virar um entrave para a ampliação das exportações brasileiras e fornecer pretextos para o crescente protecionismo dos principais clientes do agronegócio nacional. Problemas sanitários e fitossanitários têm sido cada vez mais usados como barreiras não-tarifárias aos produtos brasileiros no exterior.

O ressurgimento da febre aftosa, em 2005, provocou o embargo de 59 países. Um foco da doença de Newcastle em aves de Vale Real (RS) tem custado caro a produtores e exportadores: 38 países já fecharam suas portas ao frango nacional. O fungo que provoca a ferrugem asiática nas lavouras de soja já custou US$ 8 bilhões ao país em custos de produção mais altos, perda de rentabilidade e menor produtividade do grão.

"Dos pontos de vista econômico e social, podem ocorrer perdas de produção e de mercados para exportação, causando prejuízos significativos aos agricultores, à balança comercial e ao nível de emprego no país. A entrada de espécies exóticas pode colocar em risco a diversidade biológica dos ecossistemas naturais do país", afirmou o relator do processo, ministro Benjamin Zymler. Por outro lado, diz o ministro, procedimentos de fiscalização previstos na legislação básica não têm sido realizados ou são feitos de modo ineficiente, em razão do baixo número de fiscais e da falta de infra-estrutura física para a realização dos tratamentos previstos em lei.

Nas 83 páginas, os auditores do TCU descrevem situações curiosas, como o fato de muitos fiscais simplesmente observarem à distância o trânsito de bagagens nos aeroportos. A fiscalização, segundo o TCU, é feita com base no "achismo" desses fiscais, pois não há detectores de material orgânico nos aeroportos. A compra desses equipamentos foi anunciada há meses pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, mas nada foi ainda instalado.

Outro fato contraditório apontado pelos auditores: à falta de pessoal, soma-se um excesso de burocracia entre os fiscais da Receita e da Agricultura, o que prejudica a fiscalização. Os fiscais agropecuários são obrigados, por exemplo, a identificar-se para entrar em áreas controladas pela Receita. Realizam o serviço separadamente e não trocam informações.

Essa pouca importância dispensada à vigilância agropecuária fica clara na análise que o tribunal fez do orçamento do Programa Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro), criado justamente para impedir a entrada de doenças no país. O governo fez a previsão no orçamento de R$ 5,1 milhões para o Vigiagro em 2005. Conseguiu empenhar somente R$ 3,3 milhões desse valor. De gastos efetivos, porém, foram apenas R$ 1,2 milhão. Em 2004, os desembolsos também foram bastante reduzidos: de um orçamento de R$ 1,3 milhão, somente R$ 600 mil foram gastos.

O ministro Zymler diz no relatório que o baixo investimento na fiscalização contrasta com o grande volume de divisas gerado pelas exportações. O ministro cita os saldos comerciais na balança - de US$ 33,7 bilhões, em 2004, e de U$ 44,7 bilhões, em 2005 - para, em seguida, lamentar a proliferação de pragas no país. "Embora a expansão do comércio internacional de produtos agropecuários entre os países tenha proporcionado a abertura de novos mercados, também propiciou o alastramento de pragas e doenças antes confinadas a suas regiões originais", afirmou.

O TCU relatou alguns exemplos dessa proliferação de pragas. No Porto de Itajaí (SC), fiscais identificaram a entrada de madeira infestada pelo besouro asiático - uma praga que pode destruir florestas brasileiras.

Na Amazônia, os fiscais verificaram o ingresso, pelo Amapá, da "sigatoka negra" - uma praga que afeta a produção de bananas. "Vivemos numa situação de risco", comentou outro auditor.

A falta de fiscais atinge os principais focos de entrada e saída de produtos e de passageiros do país. O Porto de Santos deveria ter 42 agrônomos, mas tem apenas 24. O aeroporto de Guarulhos precisaria de 25 veterinários, mas conta com apenas 13.

No total, o Brasil deveria ter 248 agrônomos na vigilância, mas tem somente 167. Deveriam ser 166 veterinários, mas são apenas 108. Também há falta de agentes de apoio administrativo e de inspeção federal.

Os auditores do TCU fizeram inspeções em portos e aeroportos entre 1º de agosto e 25 de novembro de 2005. Também foram realizadas entrevistas com 542 fiscais federais agropecuários que relataram as absurdas dificuldades. Os fiscais contaram que sofrem ações pessoais de exportadores quando impedem a saída de mercadorias do país. "Isso coíbe a atividades dos fiscais. Eles se sentem vulneráveis e acabam liberando mercadorias", disse um auditor do TCU.

A legislação também é bastante ineficiente. O decreto que impõe multas às empresas é de 1934 e desde então os valores não foram atualizados. O importador de produtos de origem animal sem certificado paga, por exemplo, entre "1 mil e 500 cruzeiros", uma moeda fictícia e sem aplicação.