Título: Legislação pode dificultar renovação do Congresso
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2006, Política, p. A7

A profusão de escândalos de corrupção no cenário político recente, envolvendo o governo e o Congresso, cria expectativa de uma ampla renovação de quadros políticos para a próxima legislatura. Mas as recentes mudanças na legislação eleitoral, aprovadas com o intuito de baratear as campanhas, poderão impedir que novatos no cenário político exponham suas idéias. A proibição de distribuição de camisetas, de propagandas em outdoors e de brindes como canetas e bonés fortalece nomes que já são conhecidos pelo eleitorado.

Por outro lado, a imposição da cláusula de barreira, obrigando as legendas a atingirem um percentual mínimo de 5% nos votos nacionais e 2% dos votos em pelo menos nove unidades da federação para ter o direito ao programa semestral de (20 ou 40 minutos) em rede nacional de TV, à participação no rateio de 99% dos recursos do fundo partidário e direito à estrutura de liderança no Congresso, leva os partidos a escolherem "puxadores de votos" para assegurar um bom desempenho nas urnas.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Marco Aurélio Mello, acredita que, apesar de alguns pontos negativos, a nova legislação eleitoral tem vantagens que suplantam, e muito, os problemas dela decorrentes. "Agora privilegia-se muito mais o conteúdo do que a forma. Ficou mais fácil para o eleitor escolher. O cidadão tem que perceber e ter a consciência do poder que tem", disse Mello.

Para o ministro, "as urnas devem sufragar quem tem um bom perfil, sem máculas" e isso só será possível, nas palavras de Mello, se os eleitores estiverem abertos às mudanças e não votarem simplesmente por uma obrigação. "É uma quadra alvissareira, o Brasil precisa acordar. As mazelas estão vindo à tona, as instituições estão funcionando, todos devem exercer o seu direito garantido pela Constituição", convocou o ministro.

Mas quem está na ponta do processo reconhece que as dificuldades aumentaram. Uma das figuras mais conhecidas e respeitadas do Congresso, o deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), acha que as alterações na legislação eleitorais foram muito superficiais. "Para quem compra voto ou tem dinheiro, não mudou nada. Para pessoas como eu, sim. Como é que as pessoas vão saber que sou candidato?", lamentou Magalhães.

O pefelista confirmou que apela para os anúncios publicitários em jornais, estratégia que encarece a campanha e tem um alcance limitado. "O sistema político não foi alterado. As coisas só vão melhorar de fato com uma profunda e verdadeira reforma política". Roberto Magalhães aponta ainda outra dificuldade neste ano: a população está desiludida e a campanha eleitoral não esquenta. "Depois de tudo o que aconteceu, os eleitores ficaram extremamente decepcionados".

Outro que vem enfrentando dificuldade após a implantação das novas regras é o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP). Um dos pontos que Cardozo mais lamenta é a proibição de espalhar outdoors pela cidade. O petista aponta-se como "um candidato de opinião", com eleitores difusos por todo o Estado de São Paulo. "Eu não sou um candidato que tem força corporativa ou sindical. Para esses, não haverá problema, a categoria garante a reeleição. Mas como vou dizer em todo o Estado que eu sou novamente candidato?" questionou.

Cardozo lembra que obteve 303 mil votos em 2002, o que torna astronômico um gasto com mala direta para seus eleitores. "Se essa limitação nas regras estivesse valendo em 2002, provavelmente eu não me elegeria", disse o petista. Ex-integrante da CPI dos Correios, José Eduardo Cardozo reconhece que, ao diminuir os gastos na campanha, a nova legislação apresenta aspectos positivos. "Mas quem não é conhecido dificilmente consegue levar sua palavra, sua opinião, ao eleitor". Cardozo acredita até que a renovação possa vir a ocorrer. "Os candidatos de corporações continuam tendo força. Os eleitores podem trocar um nome específico e eleger outro. Estaríamos tendo uma renovação quantitativa. Mas até que ponto essa renovação será qualitativa?" questionou.

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), não vê uma panacéia na renovação do Congresso. Ele afirma que procura não ter uma "visão mítica" sobre um futuro parlamentar melhor decorrente exclusivamente de uma mudança de nomes no Legislativo. "O fato de ser um novo parlamentar não significa estar infenso ao atual processo de degradação vivido pelo Legislativo".

Gabeira aponta que os meios de comunicação também acabam tornando-se responsáveis pela atual situação. "Os veículos de mídia dão pouca ou nenhuma importância para as eleições legislativas. O que importa apenas é a eleição presidencial". Ele rebate a tese de que, se der destaque para um candidato a deputado, todos os demais cinco mil terão que virar notícias, a exemplo do que acontece com os candidatos a presidente. "Vai aparecer no noticiário quem tiver o que dizer e o que apresentar à população", defendeu.