Título: Rondônia e a limpeza das instituições da República
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2006, Opinião, p. A14

Em Rondônia, as instituições estão atrás das grades: de uma única tacada, a Polícia Federal prendeu o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sebastião Chaves; o presidente da Assembléia Legislativa, deputado José Carlos de Oliveira; o ex-chefe da Casa Civil do governo do Estado, Carlos Magno, candidato a vice do governador Ivo Cassol (PPS) e um ex-procurador de Justiça, além de outras 19 pessoas. O atual procurador, Abdiel Ramos Figueira, também está sendo investigado por envolvimento no esquema que incluía folha de pagamento paralela, fraude em licitações e falsas aquisições de bens e serviços. A investigação da PF aponta ainda para membros do Tribunal de Contas do Estado e outros desembargadores do Tribunal de Justiça. Segundo a PF, apenas um deputado estadual, Nari Firigolo (PT), não tem contra si indícios de envolvimento com a quadrilha; 23 dos 24 parlamentares estaduais estão envolvidos em uma ou mais fraudes e, destes, 13 são acusados em todos os esquemas investigados.

Pela extensão, o caso de Rondônia é quase uma caricatura. É um Estado que foi paralisado por uma repentina subtração de dirigentes das instituições estaduais, quase todas presas. Mas as imagens que saltam dessa lente de aumento merecem reflexão. A contaminação dos poderes da República pela política comezinha de troca de favores e vantagens pessoais não se limita a Rondônia. As instituições brasileiras requerem tratamento. O sistema político tornou-se muito atrativo a quadrilhas porque facilita o tráfico de influência e permite a barganha pessoal de integrantes de todos os poderes em benefício próprio e de terceiros - mas a contaminação está longe de se limitar a ele. Cada parte das instituições tem um poder que pode ser objeto de troca - e essa troca é cada vez mais comum.

Existem duas visões possíveis dos escândalos de corrupção que tomam os jornais quase todos os dias. Uma delas é a de que as instituições, enfim, funcionam o suficiente para fiscalizar e punir a corrupção. A outra leitura, mesmo em se considerando que os casos que emergem da lama são produto de uma ação fiscalizadora e punitiva, é que essa realidade já existia e prosperava, impune, em todas as instâncias de poder. Em qualquer das hipóteses é obrigatório o reconhecimento da vulnerabilidade do sistema institucional brasileiro.

Em entrevista à "Folha de S. Paulo", o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, aponta problemas "estruturais" no sistema político e reconhece que todos os governos depois da redemocratização, inclusive este, foram submetidos a essa "lógica estrutural" devido a dificuldades de governabilidade. Os partidos não devem se furtar a uma parcela de responsabilidade sobre os escândalos - e o reconhecimento da contaminação quase indiscriminada, demonstrada pela lista dos envolvidos no escândalo das sanguessugas, é parte obrigatória de um processo de profilaxia institucional. As sanguessugas e o caso de Rondônia, todavia, indicam que as outras instituições também devem assumir as suas responsabilidades. No caso das sanguessugas, a venda de parcelas de poder começava pelo Congresso, estendia-se aos ministérios e chegava às prefeituras. Em Rondônia, o Legislativo vendia facilidades; o Judiciário barganhava impunidade; pelo Executivo transitavam as facilidades de desvio de dinheiro público.

Não apenas o sistema político está em questão atualmente. As instituições estão expostas. Uma governabilidade que se sustenta em uma extensa cadeia de barganhas - que não se limitam ao Poder Legislativo - não tem futuro. A descontaminação das instituições não é impossível. O Espírito Santo envolveu-se numa cruzada de auto-limpeza que pode ser uma luz para o restante do país. A política capixaba foi tão corroída que o crime entrou nela pela porta da frente, financiava a política e tinha fortes conexões na Justiça e no Executivo. O ex-presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, apontado como o principal chefe do crime organizado do Estado, está sob fogo cerrado da Justiça desde 2000. Na sexta foi preso novamente, por acusações que envolvem também um juiz federal. Uma das acusações que recai sobre Gratz é a de manter sob sua influência, mediante pagamento de propina, nada menos do que 26 deputados. O Estado já se pareceu com Rondônia. Hoje, depois de um esforço que envolveu todos os setores da sociedade interessados em melhorá-lo, está longe do fantasma rondoniano.