Título: Perguntas ao próximo líder japonês
Autor: Pesek, William
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2006, Opinião, p. A15

Poucas eleições poderão ser mais cruciais para os mercados mundiais do que a que acontecerá em Tóquio no mês que vem. Após mais de cinco anos sacudindo a economia japonesa, Junichiro Koizumi está deixando seu posto. Estranhamente, os mercados mundiais parecem estar dando escassa atenção a uma das mais importantes trocas de poder na história moderna da segunda maior economia do mundo. Talvez isso se deva ao fato de os favoritos parecerem relativamente anódinos, em comparação com o carismático Koizumi. Quantos líderes desejariam que Elvis e Graceland fizessem parte de seu canto do cisne político? Quantos políticos podem dizer que o ator Tom Hanks inveja o estilo de seu penteado? É também fácil ignorar as eleições porque o Japão é basicamente um país de um só partido. O Partido Democrático Liberal (PDL) só não esteve no poder no Japão durante 10 meses desde 1955.

A indagação: "faz realmente diferença quem comanda o PDL?" foi por muito tempo válida, nesse país de 127 milhões de pessoas. Isso foi até que surgisse Koizumi. Ele mudou o tom em Tóquio e colocou como prioridade a questão da modernização econômica. Embora a expansão acelerada e a reestruturação do setor privado na China recebam a maior parte do crédito pela recuperação japonesa, o esforço de Koizumi em reduzir o papel do governo na economia também colaborou. O empenho de Koizumi por mudanças na realidade nunca foi além de engatar uma segunda marcha, desmentindo as afirmações de que ele será lembrado como o equivalente japonês de Margaret Thatcher.

Koizumi é bem mais comparável a Mikhail Gorbachev: um líder que ajudou a montar o cenário para o surgimento de um reformista semelhante a Thatcher capaz de revolucionar o sistema. Koizumi sacudiu um pouco as coisas, mas raramente demonstrou os lampejos de verdadeira independência e audácia necessárias para transformar o Japão. É por isso que os mercados deveriam ficar bastante atentos à pessoa que o substituirá após a eleição para o comando do PDL em 20 de setembro.

Há inúmeras indagações que os investidores deveriam estar colocando ao próximo primeiro-ministro japonês, seja o secretário do Gabinete Shinzo Abe, o ministro das Finanças Sadakazu Tanigaki, o ministro de Relações Exteriores Taro Aso ou algum outro nome.

As quatro principais são as seguintes: Como fica a questão da dívida? "O desafio mais premente é recuperar a sustentabilidade das finanças públicas", disse no dia 3 de agosto, em Tóquio, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo de Rato. "Exortamos as autoridades econômico-financeiras a não serem excessivamente otimistas sobre o que pode ser conseguido pela via dos cortes de gastos ou de crescimento econômico." Embora os comentários de de Rato fossem precisos no alvo, as autoridades em Tóquio também parecem acreditar que o recente crescimento japonês abaterá a dívida.

O crescimento de 2% que o banco central espera para o ano que vem não será suficiente para isso. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCED) estima que a carga de endividamento japonesa seja 170% do Produto Interno Bruto (PIB), a maior no mundo industrializado - e maior do que afirma o governo. Não apenas a dívida está mantendo a classificação de crédito do Japão abaixo da de Botsuana, como também um efeito dinâmico de "expulsão" está dificultando, para as companhias saudáveis, emitir papéis para crescer.

Virão mais bebês, ou não? A população japonesa encolheu, em 2005, devido a uma queda na taxa de natalidade num país onde 20% das pessoas já têm mais de 65 anos. O Japão precisa descobrir como pagar juros mais baixos sobre sua dívida - que atualmente comem 20% do orçamento - para que possa cobrir os crescentes custos de seguridade social. Parte da questão está em combater a discriminação contra mulheres no mercado de trabalho. Embora as coisas estejam melhorando, ser mãe, para muitas mulheres, continua sendo um ponto final para suas carreiras profissionais. A subutilização da mão-de-obra feminina não apenas retarda o crescimento, como também implica em as mulheres adiarem cada vez mais o momento de terem um filho. Sem ações, o contingente de mão-de-obra irá encolher ainda mais.

O Banco do Japão será independente? Uma ominosa sugestão foi aventada na semana passada por Hidenao Nakagawa, que preside o Conselho Formulador de Políticas do PDL, ao dizer que o próximo líder japonês deveria buscar maneiras pelas quais o Banco do Japão e o governo deveriam cooperar mais para impulsionar o crescimento. É realmente caso de nos perguntarmos quão independente é um banco central que baixa os juros até zero. Afinal de contas, se os políticos tivessem feito sua parte, 10 anos atrás, para desregulamentar a economia e estimular o emprego, em vez de apoiar-se em dinheiro grátis, a década de 1990 não teria sido uma década perdida. É imperativo que o próximo líder japonês mantenha o Banco do Japão independente e concentre-se, em vez disso, em reparar a posição fiscal do país e em ajustar as políticas tributárias para tornar a economia mais produtiva.

Qual deve ser o papel do Japão na Ásia? Trata-se de uma questão mais simples do que parece e pode resumir-se a uma questão: o santuário de Yasukuni. É um tópico tão sensível no Japão como fora do país, mas poucas questões dirão mais sobre em que medida a economia japonesa estará conectada à ascensão econômica asiática. Mais de 60 anos após a Segunda Guerra Mundial, os japoneses querem olhar para o futuro. As visitas de altas autoridades japonesas a Yasukuni, que honra 14 criminosos de guerra entre os mortos que homenageia, estão enervando cada vez mais a China e a Coréia do Sul. A Ásia já tem muito o que enfrentar, como os recordes no preço do petróleo, escalada no nível de endividamento, alta nos juros, pobreza e o risco de gripe aviária. É lamentável que os líderes das três maiores economias da região não consigam reunir-se em torno de uma mesa para equacionar a questão. Yasukuni é algo que o próximo líder japonês precisa acertar definitivamente.