Título: Empresários querem acelerar parcerias
Autor: Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2006, Especial, p. A16

Dois cartazes afixados na sala de aula assinalam momentos completamente distintos da Escola Estadual Luiz Gonzaga Travassos, no Jardim Novo Morumbi, zona Sul de São Paulo. No primeiro deles lê-se a palavra "antes", acompanhada de uma fotografia da própria sala com carteiras quebradas e uma lousa rasgada. Na foto do segundo cartaz, gravado com a palavra "depois", está tudo novinho e alinhado. Cartazes semelhantes se repetem em corredores e até banheiros com o objetivo de estimular os alunos a preservar as benfeitorias.

A reforma física é apenas o sinal aparente das transformações ocorridas na escola desde 2004, fruto de uma parceria firmada com a Sertrading, do empresário e ex-banqueiro Jair Ribeiro. "O objetivo final é dar mais qualidade à parte pedagógica", diz ele.

Ribeiro integra um pequeno grupo de empresários e profissionais liberais paulistanos empenhados em difundir o conceito de parcerias entre escolas e empresas no Estado de São Paulo. A inspiração foi tirada do projeto Crescer Sempre, desenvolvido na favela de Paraisópolis, zona Sul de São Paulo, pelo empresário Jayme Garfinkel, controlador da seguradora Porto Seguro.

Tudo começou de forma bastante despretensiosa, em 1991, com a vontade de Garfinkel de ajudar uma escola da região. Então morador do Morumbi, bairro de classe alta que circunda a favela, ele freqüentemente perguntava às crianças que abordavam seu carro nos faróis por que não estavam na sala de aula. Hoje o envolvimento da Porto Seguro com Paraisópolis é total: são três escolas estaduais em parceria e uma escola de educação infantil criada para atender crianças de 4 a 6 anos.

Atualmente, 19 escolas estaduais de São Paulo, com 20 mil alunos, têm parceria com alguma empresa ou empresário nos moldes do Programa Empresa Educadora. É pouco quando se pensa no universo de 5,5 mil escolas estaduais paulistas, com cerca de 6 milhões de crianças. "Não é nada. Mas, se cada um fizer um pedaço, transforma sua cidade, depois o Estado e por aí vai", diz o publicitário Nizan Guanaes, que há três meses "adotou" uma escola no bairro paulistano do Campo Limpo, com 1,8 mil alunos. Os empresários envolvidos no projeto não gostam da palavra "adoção", consideram-na paternalista e preferem o termo parceria.

O Programa Empresa Educadora foi criado há um ano pelo governo estadual para oficializar e apoiar o que já vinha sendo feito de maneira informal por iniciativa dos empresários. "O envolvimento do empresário é fundamental e complementar, porque as demandas da educação são muito maiores do que a nossa capacidade de atendimento, porque os recursos são públicos", diz Nivaldo Leal dos Santos, gerente de parcerias da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), ligada à secretaria da Educação.

As parcerias não dependem da aprovação do governo. O dinheiro investido transita pela Associação de Pais e Mestres (APM) de cada escola. O empresário ajuda a direção com a gestão e, ao mesmo tempo, complementa a verba pública ao fazer investimentos pontuais.

Ao lado de Ana Maria Diniz, herdeira do grupo Pão de Açúcar, Jair Ribeiro coordena um grupo de pessoas que está formatando uma organização não-governamental para replicar as parcerias. Todas as 19 fechadas até hoje foram desenvolvidas de forma artesanal, na base da tentativa e erro.

Com a ONG, a idéia é oferecer a parceria já "empacotada" aos empresários e, com isso, arrebanhar mais interessados. A meta é alcançar 100 escolas com 150 mil crianças já em 2007 e até 2010 atingir 500 escolas e 750 mil crianças.

A ONG vai criar um "kit escola". Vai selecionar a escola que é candidata à parceria, identificar suas necessidades e formar uma coordenadora para o projeto. A coordenadora é peça fundamental na engrenagem da parceria. É ela quem toca o projeto no dia-a-dia, fazendo a interface entre o empresário e a direção da escola. O treinamento das coordenadoras ficará a cargo da Crescer Sempre, mais precisamente nas mãos de Terezinha Paladino, que dirige com grande sucesso o projeto de Garfinkel praticamente desde o início. "Precisamos criar várias Terezinhas", brinca Ribeiro.

A ONG quer fazer o acompanhamento de todas as coordenadoras das escolas para se certificar de que estão adotando as melhores práticas e promover uma avaliação independente do resultado das parcerias. "Na parceria, o empresário não pode simplesmente fazer a doação, senão vira paternalismo", diz Terezinha. "Ele precisa se comprometer a acompanhar o trabalho que está sendo feito ou é dinheiro jogado fora."

O investimento dos empresários na parceria em cada escola costuma variar de R$ 60 mil a R$ 300 mil por ano, dependendo da necessidade da escola e também da disponibilidade de quem ajuda. "Ao colocar 5% a 10% do que o Estado já destina à escola, maximizamos o retorno do investimento público", diz Ribeiro. "O que falta nas escolas é gestão. Ao mesmo tempo em que ajudam, os empresários cobram resultados."

De forma geral, todas as parcerias têm começado da mesma maneira: pela reforma da escola. "Geramos um impacto visual de curto prazo e com isso ganhamos a colaboração de alunos, professores, direção e, principalmente, da comunidade local, que é quem vai garantir a vida longa do projeto", explica Ribeiro.

Em 2004, quando chegou à Gonzaga Travassos, ele aplicou R$ 80 mil na reforma e em apenas um mês e meio deu cara nova à escola. Teve o apoio da FDE, que acelerou o envio de novas carteiras e outros materiais. Situada em cima de um morro, a Gonzaga Travassos enfrentava problema crônico de falta de água, que não tinha força para encher seus reservatórios. O abastecimento era feito por caminhão pipa. "A escola era suja, sem água para a merenda. Imagine como ficava o banheiro com o uso de 1,2 mil alunos", recorda Maria Silêde Alves, que acabara de assumir a direção da escola em 2004 e fechou a parceria com Jair Ribeiro.

Em quase todas as escolas, o empresário parceiro se responsabiliza ainda pela contratação de uma empresa de limpeza e investe em salas de leitura e laboratório de informática. Mas o apoio desce às necessidades mais básicas e aparentemente banais do dia-a-dia, como a compra de papel crepom para a confecção de algum trabalho de educação artística ou a fotocópia de material a ser distribuído aos alunos. Em alguns casos, a empresa parceira compra máquina de xerox, ventiladores ou complementa a quota de computadores enviados pelo Estado.

O apoio físico prepara o terreno para o principal: o reforço pedagógico. Nas escolas que têm o apoio da Porto Seguro, em Paraisópolis, os cursos ao corpo docente são aplicados pelo Instituto de Qualidade de Ensino (IQE). Na Gonzaga Travassos, desde 2005 a ONG Paidéia vem dando treinamento pedagógico aos professores. "A partir do trabalho do treinamento, os professores assumiram uma nova postura, com compromisso maior", diz Silêde.

Anualmente, os alunos da rede estadual são submetidos a uma avaliação chamada Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo). Na prova de 2004, antes do treinamento pedagógico dos professores, o aproveitamento dos alunos da 3ª série da Gonzaga Travassos foi de 60,2%, enquanto a média das escolas da zona Sul da capital ficou em 54,7%. Em 2005, o aproveitamento da 3ª série da escola subiu para 76,2%, enquanto a média da região ficou em 59,3%. Os primeiros resultados começam a aparecer.