Título: Maior eficácia da política monetária?
Autor: Modenesi,Andre de Melo
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2012, Opinião, p. A14

A taxa real de juros vem caindo de forma sistemática no Brasil, desde o Plano Real. Este movimento se intensificou a partir do ano de 1999, com a adoção do tripé câmbio flexível, metas de inflação e superávit primário. De forma geral, trata-se de um resultado da consolidação da estabilidade de preços e do consequente distanciamento do período de alta inflação crônica.

Entretanto, este processo tem sido muito lento e o país ainda segue como recordista em termos de taxas de juros. Nos últimos 17 anos, a Selic real ficou abaixo de dois dígitos em apenas sete ocasiões.

Desde 2009, a Selic nominal tem sido mantida próxima a um dígito e o juro real vem experimentado mínimos históricos. Muitos consideram que esse fenômeno reflete uma maior eficácia da política monetária que, por sua vez, resultaria de "mudanças estruturais significativas na economia" (como expresso na última ata do Copom). Em suma, a Selic estaria mais potente para controlar a inflação e, portanto, estaria sendo reduzida de forma mais acentuada.

Nos termos da regra de Taylor, isso significaria uma queda na taxa de juros "neutra" - que assegura, simultaneamente, o cumprimento da meta de inflação e o fechamento do hiato do produto. É preciso qualificar o argumento de que o juro neutro reduziu-se de forma expressiva nos três últimos anos.

É bem verdade que a economia brasileira vem passando por importantes mudanças, com destaque para o crescimento da relação crédito e Produto Interno Bruto (PIB); o alongamento da curva de rendimentos; a diminuição da participação das LFTs na dívida pública; e a repactuação de alguns preços administrados no âmbito federal - especialmente as tarifas de energia elétrica e de telefonia. Esses fatores concorrem para a maior eficácia da política monetária e, portanto, explicam parte da queda da Selic. No entanto, as mudanças estruturais não são os únicos fatores por trás da recente aceleração da diminuição da Selic.

Há dois fatores conjunturais, de suma importância. Primeiro, ressalta-se a flexibilização, sem precedentes, da política monetária por parte dos principais bancos centrais mundo afora (EUA, Inglaterra, Japão etc) em resposta à crise do subprime. Para captar esse efeito, foi estimada (em com autoria com R. L. Modenesi e N. M. Martins) uma regra de Taylor expandida pela inclusão da taxa Libor*. Os resultados apontam que o Banco Central (BC) reage fortemente a essa taxa e que, portanto, a atual redução da Selic reflete, largamente, a queda anormal nos juros internacionais. Ou seja, a despeito de ter baixado a Selic razoavelmente, o BC continua praticando um elevado diferencial entre os juros domésticos e externos - e, portanto, a valorização do real ainda é crucial para o controle inflacionário.

Segundo, deve levar-se em conta os efeitos de uma mudança - muito sutil e acanhada - da política econômica, que vem se desenhando desde o fim do ano de 2010. Por um lado, o BC tem, acertadamente, usado instrumentos complementares de política monetária.

As medidas de controle de crédito têm-se mostrado eficazes no combate a inflação, o que permite uma diminuição da Selic sem comprometer a estabilidade de preços. Por outro, parece haver uma maior coordenação entre o Ministério da Fazenda e o BC, o que também viabiliza uma queda da taxa de juros (vale notar a proposta de alteração da remuneração da poupança).

É um resultado da aceitação, ainda que tácita, de que a Selic tem limitada eficácia no combate à inflação e que, portanto, o seu uso é muito custoso - notadamente ao valorizar o real e ao encarecer o serviço da dívida pública. Assim, essa modificação no mix de política econômica não apenas permite uma diminuição da Selic como tende a reduzir o sacrifício imposto pela manutenção da estabilidade de preços.

Em suma, a queda no juro neutro reflete, em grande medida, fatores conjunturais, especialmente a redução sem precedentes da taxa de juros internacional. Esse efeito foi potencializado por uma mudança no mix de política econômica - ressaltando-se o uso das medidas de controle de crédito.

É equivocado considerar que a redução dos juros tenha se acelerado significativamente em decorrência de mudanças estruturais que teriam tornado a Selic mais eficaz no combate a inflação. Ainda há diversos fatores comprometendo a transmissão da política monetária, com destaque para o alto grau de indexação, que persiste tanto no lado real quanto financeiro da economia; e a presença de setores oligopolizados, com poder de mercado para formar preços.

A Selic continua pouco potente para conter os preços e, portanto, a diversificação da estratégia de estabilização necessita ser aprofundada. A inflação não é um fenômeno meramente monetário. O seu controle deve ser multidimensional, conjugando diferentes instrumentos - monetários e não monetários - e as variadas instâncias da política econômica.

* "A Modified Taylor Rule for Brazilian Economy: convention and conservatism in 11 years of inflation targeting (2000-2010)". XXXIX Encontro Nacional de Economia, dez/2011.

Andre de Melo Modenesi é professor da UFRJ, pesquisador do CNPq e diretor da Associação Keynesiana do Brasil (AKB). As opiniões do autor não necessariamente refletem a visão da AKB.