Título: Brasil e Canadá precisam se unir por pressão no câmbio
Autor: Travaglini,Fernando
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2012, Finanças, p. C4

O Brasil não está sozinho na sua batalha por um câmbio mais justo. Em visita ao Brasil, que inclui reuniões em Brasília com integrantes do Banco Central e do Ministério da Fazenda, Tiff Macklem, vice-presidente do Banco do Canadá, banco central daquele país, espera trabalhar junto com autoridades brasileiras para reduzir os atuais desequilíbrios globais que têm pressionado as duas moedas.

Segundo ele, o Brasil tem mostrado que o sistema monetário internacional não está funcionando como deveria, graça à falta de flexibilidade cambial entre as duas maiores economias, Estados Unidos e China. "A consequência dessa falta de ajuste é que há uma demanda global insuficiente e países como os nossos estão enfrentando persistentes pressões nas taxas de câmbio". Em entrevista ao Valor, ele afirmou ainda que as novas regras de Basileia são importantes para restaurar o sistema financeiro, mas outros elementos precisam ser discutidos.

Valor: Como membro do Financial Stability Board, como o senhor avalia o processo de ajuste dos desequilíbrios globais?

Tiff Macklem Eu diria que há progressos consideráveis sendo feitos. Há novas regras de Basileia 3, com maiores colchões de capital para os bancos. Novas regras para as instituições que são sistematicamente importantes que incluem muitos elementos, sendo o mais importante a capacidade de absorver perdas para as instituições que são sistematicamente importantes globalmente. São passos importantes. E a atenção agora está voltada para a implantação dessas regras. É importante que as regras sejam implantadas pelos países.

Valor: Ainda há pontos para avançar?

Macklem Há progressos, mas há trabalho a ser feito. Particularmente indo além do núcleo do sistema financeiro. Indo do sistema regulado para o que as pessoas chamam de sistema financeiro paralelo (shadow banking). Muitas das atividades são similares aos bancos. Se as atividades são semelhantes, é importante que recebam tratamento semelhante, semelhante regulação. Há ainda um trabalho para se construir sistemas de proteção ("firewall"). Eu enfatizaria a contraparte central para derivativos de balcão (otc derivatives). Esse trabalho está sendo feito, mas certamente há mais a se fazer. De uma forma mais ampla, os desequilíbrios globais permanecem. Para ser franco, os ajustes que precisam ser feitos não estão ocorrendo rápido o suficiente. E estamos sofreram as consequências disso, com uma demanda global desigual e impactos nas taxas de câmbio, particularmente para o Brasil e o Canadá.

Valor: O governo brasileiro fala em "tsunami monetário".

Macklem O Brasil tem focado em mostrar que a realidade do sistema monetário internacional não está funcionando da forma como deveria. O principal problema, dentre outros, é que você tem as duas maiores economias, os Estados Unidos e a China, e há insuficiente flexibilidade cambial entre as duas. O efeito é que isso está dificultando a recuperação nos Estados Unidos e alimentando a inflação na China. Nossa visão é de que precisamos ver uma maior flexibilidade cambial entre os dois países. O Canadá e o Brasil foram pegos no meio disso. E a consequência dessa falta de ajuste é que há insuficiente demanda global e países como os nossos estão enfrentando persistentes pressões sobre as taxas de câmbio.

Valor: O que pode ser feito?

Macklem Individualmente cada país pode assegurar que continuemos a adotar sólidas políticas macroecônomicas, monetárias e fiscais. Podemos implementar novos padrões de regulação financeira e continuar com uma fiscalização robusta. Mas eu gostaria de enfatizar, e isso tem a ver com a minha visita ao Brasil, que o Canadá e o Brasil precisam trabalhar juntos nas mesas de negociação global, nas mesas do G-20 para encorajar outros países. O que já foi definido no G-20 é muito bom, mas a implementação precisa ser acelerada para reduzir os desequilíbrios e a vulnerabilidade global. Estamos enfrentando muitas desses mesmos desafios econômicos e precisamos trabalhar juntos.

Valor: Como está a economia canadense?

Macklem O Canadá está indo muito bem em comparação com outros países avançados. Hoje temos a recuperação mais rápida entre os países do G-7. Há boas razões para isso. Não tivemos que resgatar nenhum dos nossos bancos. Nosso sistema financeiro continua funcionando bem. Como resultado, com os estímulos monetários e fiscais colocados em prática, atingimos uma recuperação robusta. Muito dessa recuperação vem do mercado interno, das famílias, dos estímulos governamentais. O aumento do consumo das famílias tem elevado o endividamento. E o Banco do Canadá tem enfatizado sua preocupação com a elevação do endividamento.