Título: BNDES foge do risco cambial e migra para mercado local
Autor: Durão, Vera Saavedra e Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2006, Finanças, p. C3

O BNDES está desenvolvendo nova política de captação de recursos que lhe permita sair da armadilha do risco cambial, algo que abalou profundamente a economia brasileira no final dos anos 90 e às vésperas da eleição de 2002. O banco optou por migrar do mercado internacional para o mercado local na busca de complementação dos fundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), principal fonte de dinheiro novo do banco.

A mudança vai contemplar o lançamento ainda este ano de debêntures de emissão da subsidiária BNDESPar, papéis que serão corrigidos pelo IPCA mais juros. Será a primeira debênture do mercado brasileiro corrigida pelo IPCA. Este indexador, que mede a inflação oficial, também será usado para substituir a participação da cesta de moedas estrangeiras em empréstimos aos setores de infra-estrutura, como o de energia elétrica, cuja receita é em real.

Maria Isabel Aboim, superintendente da área financeira, disse ao Valor que há seis anos o banco parou de fazer captações no mercado externo. "A última foi em dezembro de 2001, de US$ 300 milhões, com vencimento em 2011." Desde então, o BNDES optou por contratar recursos em moeda estrangeira apenas com agências multilaterais, como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e governamentais, como o JBIC, banco japonês de cooperação internacional.

Como parte dessa nova política, o banco estatal também tem feito operações de swap no mercado de derivativos para converter os créditos externos em reais. "Estamos seguindo esta linha e tem sido superpositivo para o banco. Temos pouca dívida externa", destacou a executiva. Atualmente, a dívida do BNDES com bônus é de US$ 2,05 bilhões, com vencimentos até 2011. No próximo ano vai vencer uma parcela desses papéis, no valor de US$ 250 milhões. Em 2008, vence a maior tranche, de US$ 1 bilhão em "Float Wield Note" (Flinc), e, em 2011, uma de US$ 300 milhões, em bônus.

O débito com agências multilaterais e governamentais soma US$ 4,6 bilhões, a vencer nos próximos 20 anos, mas com perfil bem distribuído no tempo. O custo dos empréstimos dos organismos multilaterais tem taxas favorecidas (Libor mais 0,30), muito mais barato que o de uma captação em papéis no mercado privado.

O propósito do banco de alterar sua política de captação tomou força no início de 2003, depois que o dólar chegou a bater em R$ 4,00 durante a campanha eleitoral de 2002. O comportamento do câmbio assustou os tomadores de recursos do BNDES, que passaram a fugir dos financiamentos corrigidos por cesta de moedas.

Geralmente, estes empréstimos têm uma parcela maior em TJLP (à época era 80% mais 20% de cesta de moedas), a taxa básica das operações do banco, mas a aversão ao risco cambial, principalmente da parte dos empresários ligados aos projetos de infra-estrutura, que não têm proteção contra variação cambial, levou o BNDES a optar pela troca das captações de mercado para moeda nacional. De quebra, a mudança permite estimular o mercado de capitais doméstico, um dos objetivos estratégicos do banco. Em dólar, só operações como a firmada no ano passado com o BID, um convênio de US$ 3 bilhões, distribuídos em três empréstimos de US$ 1 bilhão.

A operação de lançamento das debêntures está em fase de preparação e seu anúncio oficial depende de vários fatores, inclusive de haver no mercado condições favoráveis a um lançamento de grande porte.

A superintendente da área financeira do banco estatal evitou entrar em detalhes sobre a operação, por causa do sigilo determinado pela CVM, mas o Valor apurou com fontes do mercado que os papéis terão a correção do IPCA mais juros, que poderão ser a variação das NTN-B.

Embora o papel ainda não esteja totalmente formatado, é dado como certo que ele será lançado ainda este ano.

Além das debêntures, o banco trabalha para desenvolver uma geração de ativos em IPCA, elegendo o indexador como subindexador nos empréstimos com custos mistos de 90% de TJLP ( 7,50% ao ano) mais 10% de cesta de moedas. Na nova fórmula, o IPCA mais juros (NTN-B) substitui com presença de 20% o percentual antes ocupado pela cesta de moeda mais correção cambial, mix onde a TJLP passa a participar com 80%.

A novidade já está valendo para os novos contratos de financiamento para as empresas de geração e transmissão de energia. "O setor de energia já migrou de cesta para o IPCA", relatou Maria Isabel.

A idéia do banco é fazer essa migração para todas os setores da área de infra-estrutura. Mas a participação da cesta de moedas ainda é mantida nos financiamentos à indústria, concentrado principalmente nas empresas com hedge cambial. Esta mudança poderá tornar mais atraentes os empréstimos do banco. A área financeira trabalha com expectativa de o BNDES fechar o ano com desembolsos entre R$ 50 bilhões e R$ 52 bilhões. No ano passado, o banco desembolsou R$ 47 bilhões, ante um orçamento de R$ 60 bilhões.